Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu ataque à democracia

Pela democracia, é preciso desbolsonarizar o Brasil

Golpismo, ameaças armadas e infiltração nas instituições devem acabar

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O destino da democracia depende também de um processo de desbolsonarização. O bolsonarismo tem vários aspectos, mas trata-se aqui da sua frente político-institucional. Isto é, de dar cabo do projeto de solapar ou suprimir a república (eleições livres, separação e autonomia de Poderes, direitos civis e políticos).

O bolsonarismo é também uma seita fanática, messiânica, não raro adepta da violência política. É um ressentimento sociocultural reacionário (machistas e inimigos em geral da diversidade humana, aversão ao debate público racional e às instituições da ciência etc.).

É ainda um modo pelo qual certos grupos sociais procuram obter mais poder: líderes do partido religioso e militar, empresários "liberais", o agro ogro. É um meio para grupos criminosos se enraizarem politicamente (garimpeiros, grileiros, desmatadores, milícias, exterminadores de indígenas e de lideranças populares); meio de suprimir movimentos sociais.

Bolsonaristas golpistas jogam pedras na polícia em frente ao Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

É fácil perceber que nem todo eleitor de Jair Bolsonaro é bolsonarista.

Os bolsonarismos pareciam instrumentos úteis para projetos de poder de elites em geral, que normalizaram o monstro desde 2017. A partir de 2020, em especial em agosto de 2022, a elite mais civilizada acordou. Foi pouco e tarde.

De interesse mais prático, desbolsonarizar significa o fim da tolerância com o projeto golpista. Parece banalidade. Mas um motivo do levante de domingo ou do risco de coisa ainda pior foi a aceitação desapercebida ou interessada da campanha subversiva.

Não houve processo de impeachment de Bolsonaro nem punição para seus generais. Quase nenhum golpista foi processado, afora figuras menores ou caricatas. A desídia da Procuradoria-Geral da República ficou sem punição —há tempo ainda de submeter Augusto Aras e colaboradores a impeachment. A contenção judicial da subversão ocorre por meio de gambiarras no Supremo.

A tolerância com o projeto subversivo incentivou a adesão à causa e a infiltração institucional. A polícia do Distrito Federal é apenas um exemplo, agora mais do que escandaloso.

Não se tomou atitude em relação a intervenções políticas das Forças Armadas. Oficiais participaram dos ataques de domingo. Muitos fazem propaganda em rede social do golpismo. É preciso dar um fim, com punição pesada, a qualquer manifestação militar sobre política.

Empresários financiam faz anos os comícios autoritários. Até anteontem, expoentes do empresariado de institutos liberais incentivavam ajuntamentos golpistas de porta de quartel, agora terroristas. Líderes de entidades de classe de elites profissionais apoiaram o motim.

Em resumo, é preciso estabelecer que a propaganda da violência política é um crime constitucional, por assim dizer, com penas pesadas. Jamais foi assim e, portanto, a este ponto chegamos.

Leis, instituições de investigação e vigilância, organizações militares, o Ministério Público, tudo deve ser revisto para que se contenha o projeto subversivo, com atenção especial para o funcionalismo armado ou com posição de relevo institucional. Vale para a violência política de qualquer cor ideológica, hoje amarela, amanhã sabe-se lá qual.

A democracia depende de muito mais do que a desbolsonarização (depende inclusive da estabilidade social, econômica e da reforma do sistema partidário repulsivo). É insuficiente condenar os responsáveis imediatos pelo levante de domingo. É preciso lidar com a negligência mais escandalosamente evidente: ser golpista não custa quase nada.

Manifestos, repúdios ou reuniões simbólicas de autoridades da República não bastam. Precisamos de reforma institucional profunda. Quem vai leva-la adiante é o problema.

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