Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Argentina América Latina

Maioria do Congresso promete derrubar pacotão liberal de Milei

Mundo político diz que decretaço é inconstitucional; presidente sofre de síndrome de Collor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A maioria do Congresso da Argentina promete derrubar o decretaço liberal de Javier Milei, anunciado na noite de quarta-feira (20).

Há muito parlamentar que concorda com alguns dos 366 artigos do pacotão baixado pelo novo governo, mas a gritaria é quase geral contra o método: um DNU (Decreto de Necessidade e Urgência), que tem validade quase imediata, bem parecido com as medidas provisórias aqui no Brasil.

Em dez dias de governo, Milei detonou uma crise constitucional, mas não está nem aí. Para surpresa de ninguém, atropelou o Congresso. De resto, prometeu para esta sexta-feira um pacote de medidas de reforma do Estado.

Homem segura cartaz contra as medidas do presidente da Argentina Javier Milei, em protestos nesta quinta-feira (21) - Luis Robayo/AFP

O DNU de Milei tem o objetivo declarado de desregulamentar e liberalizar a economia argentina, de fato o império da intervenção estatal aloprada, ineficiente, clientelista e o defeito que se quiser imaginar. Muitos políticos argentinos dizem que concordam com parte das mudanças, desde que possam aprovar apenas o que julgam razoável.

Certos governadores até aceitam engolir inteiro o sapo autoritário, em nome da "governabilidade" (e de algum dindim); outros estão fulos porque, um dia antes do anúncio do decreto, estiveram todos em reunião com Milei, que não tratou do assunto.

Em termos de civilidade, maneiras e métodos democráticos, o pacote não é razoável, para dizer o menos.

Por exemplo, o pacotão muda a legislação trabalhista de uma penada, assim como modifica a regulação do aluguel e encaminha privatizações.

Mais impressionante ainda, contém um artigo que, na prática, torna secundário ou obsoleto o Código Civil e Comercial (valeria "o acordado sobre o legislado" também nisso), dizem comentaristas argentinos. Abre um caminho para ampliar a dolarização (oficializa contratos puramente em dólar).

Quase todos os peronistas, mesmo os não-kirchneristas, se opõem ao pacotão. Nos partidos do bloco rachado da centro-direita, "Juntos por el Cambio" (JxC), a maioria quer derrubar o DNU e pede ao menos que Milei mande ao Congresso o que no Brasil chamamos de leis que tramitem em regime de urgência.

Do JxC, a União Cívica Radical (UCR) vai se opor ao decretaço, assim como parte do dividido PRO do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e de Patricia Bullrich, candidata a presidente derrotada na eleição de novembro e ministra da Segurança de Milei.

Macri fez um elogio derramado, baboso, ao decreto. O comando da equipe econômica de Milei trabalhou no governo Macri. O autor intelectual do pacote, Federico Sturzenegger, também, além de ter sido um dos principais assessores econômicos da campanha derrotada de Bullrich.

Os blocos políticos que criticam o porretaço legiferante formam maioria mais do que suficiente contra Milei, tanto na Câmara como no Senado. "La Libertad Avanza", o partido do presidente, tem apenas 37 dos 257 deputados da Câmara.

A constitucionalidade de um DNU tem de ser apreciada por uma comissão mista de oito deputados e oito senadores. Em dez dias, devem decidir se a medida será encaminhada aos plenários. Caso possa tramitar, o DNU não pode ser emendado ou aprovado por partes. Será rejeitado em bloco se cair em votações independentes de Câmara e Senado. Aprovado numa das casas, vale.

Além da revolta política contra o pacotão, já há e haverá muito mais tentativas de derrubar o DNU Justiça, em particular por parte das centrais sindicais, que também perderão dinheiro e poder caso o decretaço de Milei entre em vigor. Movimentos sociais peronistas-kirchneristas, sindicalistas e a esquerda mais independente prometem manifestações para a semana que vem.

A síndrome de Collor volta a afetar o também perturbado Milei.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.