Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Datafolha aborto drogas

Brasil é uma aberração nas opiniões sobre aborto e drogas

Descriminalização perde mais apoio, diz Datafolha; ideologia explica pouco das atitudes

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Os brasileiros ficaram ainda menos propensos a aceitar mudanças em leis sobre aborto e a posse de um pouco de maconha, diz pesquisa Datafolha de março. Por exemplo, 67% acham que a posse de pequenas quantidades de maconha não deveria deixar de ser crime (ante 61% em setembro de 2023).

A maioria dos brasileiros está mais "conservadora" ou inclinada a apoiar a restrição de direitos individuais? Conservador ou antiliberal em relação a quê?

Datafolha de maio de 2022 que investigou opiniões sobre economia e comportamento registrava que 49% dos eleitores eram de esquerda, a maior taxa em nove anos; 34% eram de direita. Para 83%, o uso de drogas deveria ser proibido, 61% eram contra a pena de morte, 79% diziam que a "homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade". Para 63%, a posse de armas deve ser proibida.

Dos então eleitores de Jair Bolsonaro, 29% estavam à esquerda; entre os de Lula da Silva, 23% estavam à direita.

Os brasileiros são muito intervencionistas em certos temas de comportamento. Quanto a aborto e descriminalização de drogas, são mesmo aberrantes, na comparação com países similares. Mas o caleidoscópio de opiniões forma alguns grupos de pessoas com um "mix" de ideias que não cabe em definições ideológicas estritas.

Isto posto, a opinião sobre aborto e drogas se tornou um pouco mais dura. O aborto é autorizado pela lei em caso de estupro e risco de morte para a gestante; por decisão do STF, também no caso de anencefalia do feto.

Para 42%, a lei deve continuar como está, ante 34% em 2018. Agora há menos gente que quer a proibição do aborto em qualquer caso: 35%, ante 41% em 2018. Somados, os que não querem mudança ou querem repressão total são 77%; eram 75% em 2018.

Para 52%, a mulher que interrompe a gravidez, "independentemente da situação", deve ir para a cadeia. Em 2013, o "ano das ruas", e em 2016, os adeptos da cadeia para a mulher que aborta eram 64%. Em 2007, eram minoritários: 43%.

Por um lado, a grande variação na vontade de vigiar e punir indica possibilidade de debate e mudança. Por outro lado, o fato de haver 77% de avessos à mudança na lei ou adeptos da proibição total coloca o Brasil perto de países em que a oposição ao aborto é mais extrema.

Segundo pesquisa do Pew Research Center (EUA) de 2022, o apoio ao aborto em "todos os casos ou na maioria" deles em países da Europa Ocidental ia de 74% (Espanha) a 95% (Suécia). Na Austrália, 82%. Japão, 81%. Coreia do Sul, 68%. EUA, 62%. Índia, 59%. Argentina, 53%. México, 46%.

Na pesquisa Pew, o apoio ao aborto no Brasil era de 26%; a rejeição, de 70%, perto dos 77% do Datafolha. Era um número de rejeição mais próximo daqueles de Quênia (89%) e Nigéria (92%), onde a restrição de direitos humanos é feroz. Em relação a países culturalmente menos distantes, o Brasil parece uma aberração.

Ato pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina e Caribe, na avenida Paulista, em 2023 - Bruno Santos/Folhapress

Povos que dão menos importância à religião são mais liberais em relação à interrupção da gravidez, indica a pesquisa Pew. Pessoas de esquerda aceitam mais o aborto do que as de direita. Nos EUA, há "polarização", grande diferença de aceitação do aborto entre esquerda e direita (62 pontos percentuais). Na Europa Ocidental, tal diferença fica entre 6 e 25 pontos. No Brasil, em apenas 17 pontos, pois esquerda e direita não diferem muito na oposição ao aborto.

No Datafolha deste março, 85% dos bolsonaristas querem que a lei do aborto continue como está ou mude para a proibição total; entre os petistas, não é tão diferente assim: 72%.

Para 55% dos evangélicos, a mulher que aborta em qualquer situação deve ir para a cadeia; para os católicos, 56%. Mais pobres e com poucos anos de escola são mais adeptos das proibições, mas as diferenças de classe são pequenas. No caso da posse de maconha, 76% dos bolsonaristas são contra a descriminalização; petistas, 59%; neutros, 67%. Na média nacional, 67%.

Em suma, há endurecimento ligeiro nas opiniões sobre aborto e drogas. Mais importante, a oposição a mudanças liberais continua enorme, mas classe, direitismo, esquerdismo ou conservadorismo não explicam grande coisa sobre o assunto. Quem é adepto de mais luz e tolerância deveria pensar em um debate em outros termos.

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