Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O novo calote de estados no governo federal

Governadores fazem campanha para não pagar dívida com União; Lula aceita negociar

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Quase ninguém deu bola, mas o governo federal acaba de dizer que vai perdoar parte da dívida dos estados. Por ora, o calote está saindo barato. Mas o caldo pode engrossar no Congresso.

Os estados se dizem esfolados pelos juros excessivos. Ameaçavam pedir à Justiça sempre amiga uma nova autorização de calote. Dizer "estados", em geral, é injustiça, diga-se de passagem. A campanha pelo novo favor parte principalmente daqueles mais endividados e metidos na baderna fiscal.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Gabriela Biló - 26.mar.2024/Folhapress

O que é essa dívida? Entre 1997 e 1999, o governo federal assumiu as dívidas de estados quebrados por endividamento excessivo, má gestão ou bandalheira, inclusive com bancos públicos. A União ficou com os débitos caros e impagáveis e cobrava dos estados taxa de juros de 6% ao ano mais correção monetária (7,5% em alguns casos). Era então uma taxa de juros de pai para filho.

O negócio beneficiou especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que tinham uns 90% da dívida assumida pela União. Desde então, São Paulo ao menos arrumou as contas.

Os outros campeões de dívida continuaram um escândalo, teratológico no caso de Rio e Minas. A dívida do Rio equivalia em 2023 a 188% da receita corrente líquida do estado. A do Rio Grande do Sul, a 185%. Minas, 168%. São Paulo, 128%. Dois terços dos estados têm dívida inferior a 30% da receita.

Por falar nisso, a campanha da nova anistia de dívida é liderada também por Rodrigo Pacheco (PSD de Minas), presidente do Senado e talvez candidato a governador, que quer mais alívio.

O que se passa agora? Caso os estados cumpram a meta de expansão do ensino técnico fixadas pelo governo federal, a taxa de juros pode cair a 2% ao ano (está em 4%). Caso entreguem ativos ao governo federal, como empresas estatais, podem reduzir a taxa em mais um ponto percentual. A taxa real de juros de um ano no mercado está em 6% ao ano.

Fora essas condições, qual a contrapartida? Gente do governo disse a este jornalista que negocia o fim de uma farra com restos a pagar —despesas que ficam de ano para outro, o que é normal, desde que exista cobertura financeira para honrá-las a seguir.

O que certos governos fazem é, na prática, obter financiamento, na marra, dos fornecedores e deixar papagaios enormes para o governo seguinte, sem caixa. O governo federal quer que essas contas sejam acertadas a cada ano. O governo não diz se haverá outras exigências.

No fim das contas, o governo federal vai fazer mais dívida para que os governadores gastem em ensino técnico. No limite, deixaria de receber uns R$ 8 bilhões por ano. Perto da dívida do governo geral (todos os governos, estatais e BC), de R$ 8,2 trilhões, é fichinha. Mas o Ministério da Fazenda cata moedas a fim de reduzir o déficit, com o objetivo de conter o aumento da dívida pública.

A dívida dos estados caiu, com a reestruturação do final do século passado. Mas, lá por 2010, começou choradeira intensa.

Os estados suspeitos de sempre jamais fizeram um ajuste de contas: contenção de despesas com servidores, da Previdência etc. Vários deles diminuíam impostos sobre empresas graúdas, na guerra fiscal. Aumentaram despesas de modo permanente, contando que a receita excepcional dos anos em torno de 2010 seria eterna.

Lula 2 e Dilma 1 facilitaram, quando não apoiaram, endividamento extra (que dependia de regras e, na prática, de autorização federal). A partir de 2014, houve perdões federais de dívida ou redução de taxas de juros. Justiça e Congresso ajudaram a avacalhação geral. Veio a crise. Rio, Minas e Rio Grande do Sul quebraram de maneira operística, não pagavam salários etc.

O novo perdão incentiva ou premia irresponsáveis, como se pode notar. O país inteiro paga a conta.

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