Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Wilson Gomes
Descrição de chapéu jornalismo

As revelações de conspirações políticas como forma de manipulação

Bolsonaro teve mais atos de endosso a conspirações do que atos de governo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Fala-se muito em fake news desde 2016, quando a palavra e o fenômeno irromperam no jornalismo e no debate político. Na conversa pública, no entanto, fala-se pouco das teorias da conspiração, embora na bibliografia científica seja um tema muito frequentado.

Algumas das mais devastadoras fake news forjadas e distribuídas nos últimos anos eram, na verdade, "revelações" de conspirações. E se fake news são um fenômeno do novo mundo da hiperconexão tecnológica e do surgimento da nova extrema direita, que é digital, boatos de insidiosos complôs e maquinações tenebrosas são um fenômeno conatural à política, cujo emprego foi muitíssimo estudado, não por acaso, durante a 2ª Guerra Mundial e a Guerra Fria.

Teoria da conspiração é nome pomposo para o que todos reconhecem facilmente, posto que não faltam na política conluio, armação, complô, maracutaia —e a abundância de sinônimos já diz tudo. Mas uma teoria da conspiração não é a maquinação propriamente dita, e sim a "revelação" de que por trás das coisas está rolando, silenciosamente, algum esquema.

"Revelação" está entre aspas porque em uma teoria da conspiração não se trata da demonstração de um conluio real, mas da concepção de que há uma maracutaia em curso, que ela não pode ser provada, apenas deduzida, que só as pessoas mais perspicazes ou dotadas de acesso a fontes privilegiadas de conhecimento são capazes de notar e que, enfim, interesses poderosos trabalham para que ninguém descubra os podres que agora estão sendo desvelados.

A ilustração de Ariel Severino, em bico de pena preto sob superfície branca, mostra um garçom de smoking e gravata borboleta. No lugar da cabeça, há uma ratoeira de madeira. Com o braço esquerdo estendido oferece, numa bandeja, uma outra ratoeira ainda maior.
Ilustração publicada em 29 de março de 2023 - Ariel Severino

Como se pode depreender dessas premissas, é claro que complôs (como preferem os franceses e italianos) ou conspirações (como soem dizer os anglófonos) são fabricações, narrativas construídas por fantasia e (más) intenções. Fake news são falsos relatos sobre fatos, teorias da conspiração são o resultado da composição de acontecimentos, reais ou imaginários, num único quebra-cabeças, que deve ser capaz de explicar tudo sobre uma determinada coisa.

Conspirações não são, contudo, concebidas e distribuídas para deleite intelectual. Na política, "revelações" de maquinações são uma forma engenhosa de exploração em benefício próprio das zonas de ignorância ou da falta de clareza dos cidadãos sobre acontecimentos, presentes ou passados, considerados de alto impacto na vida coletiva.

Estão mais propensos a ouvir boatos de conluios os que estão em estado de grande apreensão coletiva, pois tais boatos reduzem a incerteza e legitimam a angústia sentida. Estão mais disponíveis a dar ouvidos a relatos de armações os que precisam de alguma luz que lhes permita explicar e fazer prognósticos sobre alguma situação que não compreendem. Ou quando o seu grupo social converge na crença no esquema "revelado", por corresponder às suas expectativas ou temores, por ser plausível considerando o que já se sabe ou se presume saber sobre a realidade e as pessoas envolvidas. Em suma: radicalize pessoas, construa para elas um bicho-papão e um cenário de pesadelo e elas serão terreno fértil para a crença nos complôs e esquemas para os quais você pode oferecer a solução.

O bolsonarismo tem um enorme portfólio de teorias da conspiração, usadas sem escrúpulos contra o PT e, depois, contra os esforços de saúde pública durante a pandemia. A narrativa em curso de um conluio entre o PCC e o PT para abater Sergio Moro, que ganhou nesta semana endossos e sugestões do moro-bolsonarismo, é apenas o mais novo lançamento do gênero.

Os petistas também tiveram os seus momentos altos, como a famigerada teoria da "fakeada de Juiz de Fora", endossada até hoje por eminentes dignitários do partido. E novamente estão respondendo a uma teoria da conspiração com uma teoria da armação, sugerida nada mais nada menos do que pelo próprio presidente da República. Mais prudente teria sido esclarecer que o complô sugerido não passa de um sistema de ilações construídos à base de má-fé e fake news, ou esperar que o jornalismo investigativo e as autoridades fizessem o seu trabalho de examinar a veracidade da conspiração criminosa que a juíza viu "aventada" contra Moro; mas sugerir uma armação foi uma tentação irresistível.

O fato é que Bolsonaro teve muito mais atos de divulgação e endosso a conspirações, e de alegação de que as acusações de que era objeto eram armações dos seus inimigos, do que atos de governo. Pela simples razão de que não existe governo extremista sem paranoia e que nada mais alimenta paranoias do que complôs. Virar essa página é tudo aquilo de que mais necessitamos.

Alguém precisa lembrar o presidente da República disso.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.