Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes
Descrição de chapéu STF

Bolsonaro em Copacabana e a política como performance

Ele quer mostrar aos seus que continua sendo capaz de mover a massa

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Bolsonaro continua tentando vender seu peixe. E do jeitinho que se fazia nos comícios de antanho, com palanques (agora, carro de som), discursos e a massa exultante que foi ouvir seus ídolos revigorar suas convicções, mostrar força e lealdade e encontrar seus companheiros de fé. Cerca de 32 mil pessoas estiveram juntas no auge da manifestação, segundo o Monitor da USP. Não é pouco para um líder político acossado pela lei e pela opinião pública, mas também não é muito, se comparado ao tamanho de comícios anteriores.

Se as multidões definham, apuram-se os apoiadores, as afinidades afloram, o radicalismo cresce. Costuma ser assim. Grupos muito coesos vão, como se diz, "perdendo a noção", quer dizer, aquele pudor de dizer e fazer coisas que não fariam na frente de estranhos.

Como, ao que tudo indica, a produção do evento é cada vez mais exclusividade de Silas Malafaia, não se pode esperar menos que radicalismo. Malafaia é um líder político protegido por um mandato religioso reconhecido pela retórica hiperbólica, pelas performances de fúria verbal e pela convicção típica de profeta do Velho Testamento, de que fala em nome do povo de Deus. Quem caminha com Silas não pode esperar que tolerância, argumentação racional, valores republicanos, pluralismo e respeito a divergências tenham qualquer sentido. É só pé no peito e perdigoto voando. Jair, que sabe que a cadeia é uma possibilidade, finda por ser o mais contido.

Toda manifestação pública de políticos hoje gera o que podemos chamar de "editáveis". São fragmentos de áudios ou vídeos curtos que circularão de imediato por mídias digitais e que oferecerão ao público que acompanha o evento por suas tevês de bolso (os celulares) um resumo do que está acontecendo lá longe, em Copacabana. Como os grupos e interesses são divergentes, bolsonaristas Brasil afora receberam sua versão dos highlights do evento, enquanto os que não gostam deles se refastelaram com outros cortes. É do jogo.

Na ilustração de Ariel Severino, um homem extremamente musculoso segura uma bíblia aberta, seu rosto está enfiado entre as páginas do livro. Os olhos fechados. Tatuado no antebraço com o logotipo da rede social X (antigo Twitter) e na altura do biceps, com um grande logotipo da Starlink (rede de satélites do Elon Musk). O desenho, em bico de pena em cor vinho, se completa com algumas linhas horizontais que dão sustentação a figura.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 23 de abril de 2024 - Ariel Severino/Folhapress

Isso posto, é marcante como o evento do domingo teve "editáveis" deliciosos para quem, como eu, veio à política em expedição etnográfica. Ainda estou em dúvida se gosto mais do discurso de Nikolas Ferreira (PL-MG) ou de Gustavo Gayer (PL-GO), mas o de Malafaia também é revelador.

O primeiro ofereceu uma maravilhosa ilustração do "modo viril" do bolsonarismo, de que falei na semana passada: "Este país não precisa de mais projetos de leis, não precisa de mais emendas [constitucionais], este país precisa de homens com testosterona". E toda a testosterona de que o país precisa, segundo ele, foi condensada e enfrascada em Silas e Jair, ali presentes. É de arrepiar. Pelo que entendi, o novo lema é "precisamos de machos, não de leis". Eu falei que o bolsonarismo não suporta a ideia de um governo de leis e clama por um governo de vontades, músculos, tendões e hormônios. Acreditam agora?

O mesmo modo vitalista não poderia faltar no discurso do próprio Malafaia, a quintessência da virilidade nacional, que se referiu a Alexandre de Moraes com o já clássico "ditador da toga", mas também fez questão de presentear o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com os adjetivos "frouxo, covarde e omisso" por não investigar o ministro do STF. No admirável mundo macho do bolsomalafaismo, frouxos não têm guarida nem caráter. Nem merecem respeito.

O deputado Gayer, por sua vez, "performou" como vítima o novo dogma da fé bolsonarista, a certeza de que Musk é uma espécie de João Batista que veio reparar os caminhos do Messias. Jair Messias. Olhando para os céus, provavelmente para ser capturado de frente pelos satélites da Starlink, o deputado enunciou o seu rogo: "Com certeza Elon Musk está olhando o que está acontecendo aqui agora". E certamente saberá intervir com a sua divinal providência para elevar o justo e condenar os pecadores. O severo e onipotente olhar de Musk cedo ou tarde irá repor tudo ao seu lugar: Brasil Acima de Tudo, Musk de Olho em Todos.

Naturalmente, você a este ponto deve estar se perguntando por que Bolsonaro continua fazendo essas manifestações. A resposta, contudo, já lhe deve ter ocorrido. Ele as faz porque delas precisa. Para manter-se em evidência de alguma forma após ter perdido o volume absurdo de visibilidade pública que tinha quando presidente, para continuar em contato com o povão, como é do feitio de líderes carismáticos, e para mostrar aos seus que continua sendo capaz de mover a massa e galvanizar a vontade do povo.

Política, como vocês certamente sabem, é em grande parte performance.

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