Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Um lugar longe daqui

Divago sobre um país bonito, diverso e feliz para onde eu gostaria de mudar

Turismo é inveja. A frase não é minha e já nem me lembro de quem a ouvi. Talvez numa palestra, ou, ainda, numa sessão de perguntas e respostas depois dela, em que alguém quis saber do convidado por que viajamos e ele disse que era para ver se encontramos um lugar mais bonito, agradável, prazeroso e feliz do que aquele em que a gente vive.

Lembrei-me dessa frase porque ela voltou forte nesta semana no meu pensamento. Ando divagando, talvez como você, se não é hora de procurar um destino que me permita desfrutar exatamente dessas coisas que o tal palestrante sugeria: beleza, prazer, felicidade –e, se possível, um pouco de orgulho. E comecei a esboçar como seria esse país para onde eu gostaria de me mudar.

Rodrigo Yokota

Ele teria que ter natureza, para início de conversa. Não só praias estupendas, lindas e conservadas –quem sabe até algumas desertas. Mas também matas densas e intocadas, com sua vida respeitada –preservada pelo seu povo e por aqueles que o governam. E seria bom se tivesse também rios caudalosos e fartos, ricos e límpidos, por onde as culturas ribeirinhas pudesses navegar sem risco.

Esse lugar teria cidades estupendas, ricas em diferenças, campos férteis para o imenso potencial criativo do seu povo, manifestados em letras e canções, imagens e gestos, sons e vibrações. Seus centros urbanos teriam espaços generosos, abertos a toda manifestação humana –inclusive àquelas radicalmente diferentes da opinião de quem convida os artistas para se apresentarem lá. Ideias circulariam livres por todos os cantos.

E, o mais importante, nesses dois cenários –o que ganhamos da Terra e o que construímos certos de uma evolução chamada civilização– haveria gente interessante, que me desafiasse com novas maneiras de pensar, de preferência, de um ponto de vista bem diferente do meu. 

Eu não teria medo dessas divergências, nem desejaria que elas fossem deportadas desse país. Mas eu iria querer aprender com elas a ser alguém melhor. Essa gente que habitaria esse ideal de viver seria fruto de uma mistura enorme, que jamais nos envergonharia –pelo contrário, nos deixaria honrados de sermos resultado de tanta "impureza". 

As pessoas conversariam nas ruas, genuinamente interessadas em quem apresentasse um ponto de vista diverso do delas e perguntariam a opinião umas das outras sobre qualquer assunto, não como uma desculpa para brigar, mas pelo simples e sábio prazer de se sentirem provocadas.

Sim, porque nesse lugar, a provocação não é uma ameaça, mas um convite. O estranho não é um invasor, mas uma possibilidade. E o novo não é intimidador, mas estimulante. A gente circularia por todas essas possibilidades com a segurança garantida não pela ponta de uma bala ou de uma baioneta, mas pela mais básica noção de respeito pelo próximo.

Nesse exercício de imaginação, de como seria o lugar para onde eu gostaria de viajar agora, começo a perceber que já estive por lá. Em cada característica que projeto nessa paisagem idílica, reconheço rostos e relevos que já visitei. E fico ainda mais impressionado quando me dou conta de que esses são caminhos por onde eu mesmo já andei.

Trata-se de um país chamado Brasil, ou pelo menos do Brasil que a gente conheceu até agora. Uma nação de contrastes drásticos e discrepâncias cruéis, mas que sempre teve a sabedoria para poder contornar tudo isso. O objeto desse meu devaneio esteve sempre próximo de mim.

A tentação da ignorância que parece vencer quase consegue me fazer esquecer que este é o lugar em que eu sempre quis viver, de onde quis sair e para onde quis voltar. Um Brasil de uma diversidade que me orgulha e me alimenta. E que levo comigo em todas as minhas viagens pelo mundo.

Nesse sentido, despacho minha bagagem um pouco mais leve nesses dias que se anunciam. Mas ainda com um conteúdo de valores humanos fortes o suficiente para que, quando eu chegar a um novo destino, não fraqueje e sinta inveja de quem mora lá.

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