Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo
Descrição de chapéu África terrorismo

O som de uma canção distante

Nem mesmo os mais belos registros trazem esperança neste momento

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Era a noite de despedida do nosso grupo naquele hotel numa das margens mais lindas do delta de Okavango, em Botsuana, e os funcionários do local prepararam uma surpresa para nós. Para eles, provavelmente uma rotina.

Depois da sobremesa, veio uma movimentação de mesas e cadeiras, naquele amplo espaço social, cuja ausência de paredes permitia que nos sentíssemos ainda mais próximos daquela natureza prístina. E logo as mesmas pessoas que há pouco serviam nosso jantar entraram cantando.

Paisagem em Botsuana
Viagem em Botsuana - Arquivo pessoal

Como já mencionei, o que para nós parecia um presente, para eles era apenas uma terça-feira. Nem por isso a energia do que nos era apresentado deixou de nos contagiar. E entre pés que batiam vigorosos no chão e sorrisos largos demais para caber naquelas lindas faces, o que mais me marcou foi uma certa canção.

O repertório todo tinha uma meia dúzia delas, mas só uma com um refrão imediatamente sedutor que chegava assim aos nossos ouvidos, em inglês, com o forte sotaque local: "Biuuultifol Botswana". Linda Botsuana, dizia a letra, uma afirmação quase desnecessária diante de tudo que tínhamos visto nos últimos dias. Porém, cravada numa melodia inesquecível.

Se fecho os olhos agora posso ouvi-la novamente com clareza. Bem como escutar os ecos das palmas batendo com força e os eventuais uivos femininos permeando a música como uma costura entre seu final e seu começo, tornando-a infinita.

Zeca Camargo em Botsuana
Colunista Zeca Camargo em Botsuana - Arquivo pessoal

Júbilo foi a palavra que me veio para descrever o que víamos. Não tratava-se apenas de beleza, mas também não era exatamente uma celebração. Estava mais para uma inspiração, resumindo nossas experiências naquela região e propondo que o mundo olhasse mais para aquele povo com afeto.

Infelizmente isso é justamente algo que parece estar em falta no mundo recentemente. Quando me sentei para começar essa coluna de hoje, na manhã do último sábado, mesmo antes de digitar a primeira linha, fui informado das atrocidades que tinham acabado de acontecer em Israel conduzidas pelo Hamas, que controla do território palestino.

Afastei-me então do teclado e fui ficando mais longe dele à medida em que lia mais sobre o conflito. Tudo parecia me distanciar irreversivelmente das coisas belas sobre as quais eu queria escrever.

Três dias inteiros se passaram até que o "deadline", o limite do prazo para entregarmos um texto para ser publicado, algo que sempre nos tortura, jornalistas e cronistas, finalmente decretou que eu finalizasse o que nem havia começado.

Relutantemente insisti nas vivências de Botsuana, tentando fazer com que aquele canto apagasse o horror das notícias que vinham do Oriente Médio. E por alguns minutos, esses que levei para construir os seis primeiros parágrafos, consegui desbloquear meu pensamento.

Mas finalmente a tragédia, nesta coluna de hoje, venceu a graciosidade do que eu queria compartilhar com você. Meus pensamentos, como os seus, voltaram-se mais uma vez às vidas perdidas nessa nova guerra e à fragilidade do nosso equilíbrio nesta Terra.

Já contei aqui das minhas passagens por Israel. Relatei a força da fé, a riqueza da cultura, a verdade das pessoas que vivem nessa região tão dividida. Mas nenhum desses registros me ajuda agora a olhar esses ataques com esperança.

Tentando uma fuga, procurei conforto mais uma vez nas palavras e me ocorreu que intolerância, a marca desses ataques do Hamas, rima com ignorância. Então comecei a procurar algo que rimasse com esse tema sobre o qual eu me propus a escrever esta semana: Botsuana.

Busca vã até agora, mas ainda não desisti. Quem sabe na próxima coluna.

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