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Como justificar uma intervenção se Temer e Pezão estão unidos?

Presidente pode ter desviado finalidade de decreto, que seria um ato de força

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São Paulo
O presidente Temer e governador do Rio, Luiz Fernando Pezão
O presidente Temer e governador do Rio, Luiz Fernando Pezão - Adriano Machado - 16.02.2018/Reuters

Intervenções federais estão previstas na Constituição e são úteis também na democracia. Elas são de competência exclusiva do presidente, que precisa de aprovação posterior, de natureza política, do Congresso Nacional.

Em tese, o Direito tem pouco a ver com isso, pois as normas específicas da Constituição são mais para autorizar do que para limitar. Mas não é impossível que a intervenção acabe na Justiça.

O Judiciário vem abandonando a postura tradicional nas democracias de se abster de entrar no mérito de atos políticos, em especial os do chefe do Executivo.

Dois exemplos recentes: o tempo passou e o indulto de natal e a nomeação da ministra do Trabalho continuam bloqueados por liminares judiciais, algo inusitado. 

O decreto estabeleceu que, para repor a ordem pública, a União fará uma intervenção apenas na área de segurança do Rio. O interventor, um militar, subordinado ao presidente da República, comandará os órgãos estaduais de segurança em substituição ao governador, podendo fazer requisições de bens, serviços e servidores estaduais. Poderá também requisitar meios de órgãos da administração federal, civil ou militar.

O anúncio da medida gerou dúvidas quanto à sua necessidade. A coreografia e os discursos da cerimônia sugeriram que os governos federal e estadual estão bem alinhados quanto ao que fazer para controlar a segurança no Rio e quanto à importância de agir em conjunto.

Para quê, então, a intervenção, cujo efeito imediato foi colocar sob novo comando operacional a área de segurança do Estado? Se estavam todos de acordo, como justificar a intervenção, que em princípio seria um ato de força para superar resistências de autoridades estaduais?

Talvez o Judiciário venha a ser provocado a julgar uma acusação de desvio de finalidade do ato de intervenção.

A colaboração federal para manter a segurança nos Estados não precisa de intervenção. Uma lei complementar regula as operações de garantia da lei e da ordem das Forças Armadas, por iniciativa do presidente, e elas ocorrem com alguma frequência, em articulação com as polícias estaduais. Na prática, a atuação militar no Rio não deverá ser muito diferente de uma delas, o que pode fragilizar juridicamente o ato de intervenção, fazendo-o parecer excessivo.

Curioso foi o presidente anunciar que, para votar a emenda constitucional da reforma da Previdência, algo proibido na vigência de intervenções federais, poderia revogar a medida, que depois voltaria. Mas ela não era indispensável para conter o grave comprometimento da ordem pública? É contraditório. O discurso acabou sugerindo que intervenção ou não, tanto faz, algo arriscado para estes tempos de irritação judicial, em que os juízes não hesitam em desconfiar de atos das autoridades.

Carlos Ari Sundfeld é professor titular da FGV Direito SP

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