Mãe diz que não havia água para conter fogo que matou irmãs de 1 e 5 anos

Vítimas dormiam com outros 5 irmãos em cômodo; filha mais velha voltou para ajudar no resgaste

Casa que pegou fogo na zona sul de São Paulo matando duas meninas, de 1 e 5 anos
Casa que pegou fogo na zona sul de São Paulo matando duas meninas, de 1 e 5 anos - Rivaldo Gomes /Folhapress
Rogério Pagnan
São Paulo

Um incêndio em um barraco da zona sul de São Paulo onde dormiam sete crianças no mesmo cômodo terminou com duas delas carbonizadas com idades de 1 e 5 anos e um clima de tragédia sem fim.

Surpreendidos pelo incêndio durante a madrugada, familiares e amigos das vítimas dizem que a tentativa de combate ao fogo foi dificultada pela falta de água na região, em uma favela no Parque Jabaquara, próximo à avenida Jornalista Roberto Marinho.

A área vem sofrendo com a interrupção de fornecimento pela Sabesp das 23h às 6h, segundo vizinhos, que tentaram atacar as labaredas, mas não foram bem-sucedidos. As torneiras estavam todas secas, disse à Folha a mãe das duas vítimas, a dona de casa Gabriela Lucília da Silva, 33.

Após a tragédia, funcionários do IML (Instituto Médico Legal) disseram aos familiares que não poderiam reconhecer os corpos das duas crianças nesta terça-feira (13) e que a liberação só se daria na próxima quinta (15).

Isso porque a família precisaria apresentar certidões de nascimento das crianças, destruídas no incêndio, mas os cartórios só estarão abertos na tarde desta quarta-feira (14) devido ao Carnaval.

Se eu não apresentar as certidões, eles vão enterrar as duas como indigentes, queixava-se a mãe à tarde.

No começo da noite desta terça (13), após a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) ser questionada pela Folha sobre o assunto, Gabriela recebeu telefonema de funcionários do IML informando que os corpos seriam liberados.

VOLTOU PARA AJUDAR

Gabriela conta que a tragédia ocorreu por volta das 3h, quando ela e os filhos dormiam juntos. Foi o filho mais velho, Yago, 12, quem primeiro percebeu os sinais do incêndio. Os fios elétricos do teto começaram a pegar fogo e o plástico que derreteu caiu no chão e nos colchões.

"Meu filho me chamou: Mãe está pegando fogo. Aí, eu acordei e chamei todas as minhas filhas para fora". Também dormia no barraco a avó dela, de 87 anos, que precisou ser resgatada por Gabriela.

"Quando tentei voltar para tirar a Safira, meu bebê, o fogo tomou conta de tudo."

A dona de casa diz ainda que, na tentativa de tirar Safira, 1, não percebeu que outra filha, Kamille Vitória, 5, entrou atrás dela no barraco para tentar ajudar no resgate.

"Eu tinha colocado ela para fora, mas ela voltou para dentro para me ajudar."

Não se sabe como a menina se perdeu, mas, naquele momento, conta a mãe, havia muita fumaça preta, além de calor intenso. A casa tinha apenas uma porta de acesso pela frente, já que os fundos dela davam para um córrego.

Os vizinhos dizem que a fumaça preta podia ser vista a quilômetros do barraco.

O pizzaiolo  Amauri Silva Brito, 29, que mora ao lado do local do incêndio, tentou salvar as crianças quando percebeu as chamas. "Escutei uma gritaria, achei que fosse briga, saí na rua e havia um fogo enorme", disse o pizzaiolo.

Para o vizinho, a causa do incêndio foi a instalação elétrica precária da casa. "Na segunda [12] ela tinha reclamado que o chuveiro soltou fumaça quando uma das crianças estava tomando banho."

"Eram crianças muito amadas por todo mundo. Todo mundo ajudava a cuidar deles todos", afirmou Brito.

A morte da segunda filha só foi percebida por Gabriela por volta das 9h, quando retornou da delegacia, após prestar esclarecimentos do ocorrido.

Sem conseguir encontrá-la, ela pediu ajuda a vizinhos e policiais ainda no local. "Pra mim, ela estava ali, viva. Só que eu não estava achando na casa de ninguém. Aí, a polícia disse que iria fazer mais uma busca [nos destroços do barraco.] Foi quando eles encontraram ela."

PARA ONDE

Gabriela conversou com a reportagem no começo da tarde desta terça, sentada na caixa de concreto de um medidor de água, cercada por amigas, a poucos metros do local onde existia sua casa.

"Não sei para onde vou", disse ela, que mora na região há cerca de 30 anos.

Amigos e vizinhos removiam os restos dos destroços do barraco para construir ali uma nova casa para a família.

Ela disse que já enfrentou outros incêndios, assim como seus vizinhos, mas nunca uma tragédia assim. "Espero ser a primeira e última vez", disse.

Naquele momento, os filhos estavam no barraco do pai, nessa mesma região, chamada de Beira-Rio. A comunidade, com boa parte das casas de alvenaria, já tinha histórico de outros incêndios.

Até as primeiras horas da noite, segundo Gabriela e os amigos, nenhum órgão do município ou do Estado havia aparecido para ajudá-la com apoio social ou psicológico. O mais perto disso foram colchões, uma cesta básica e dois kits higiene deixados no local por agentes da Defesa Civil.

Eles estiveram na região de madrugada, mas não falaram com Gabriela. Ela, no entanto, elogiou policiais civis que a transportaram num carro oficial e "deram até remédio para eu me acalmar".

Procurada, a gestão João Doria (PSDB) informou que tentou prestar apoio à família e voltaria na noite desta terça (13) para tentar novamente. A Sabesp disse não fazer racionamento, mas sim reduzir a pressão em alguns horários

PROVIDÊNCIAS

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e a Sabesp, ambos órgãos ligados ao governo Geraldo Alckmin (PSDB), disseram tomar providências.

A Segurança, responsável pelo IML, disse que liberaria os corpos das meninas ainda na terça (13). A decisão ocorreu após questionamento enviado pela Folha.

Já a Sabesp informou por nota que não faz racionamento de água, mas, sim, redução de pressão em todas as regiões de São Paulo. Informou, ainda, que em casos de emergência, ela tem condições de restabelecer a pressão imediatamente.

"Na ocorrência desta madrugada, a companhia não foi comunicada da necessidade de aumentar a pressão ou realizar qualquer outra manobra para o combate ao incêndio", finalizou.

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