A reunião desta quinta (1º) do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad), principal colegiado sobre o tema no Brasil, ligado ao Ministério da Justiça, deliberou pela votação de uma resolução que reproduz princípios e diretrizes de um projeto de lei que tramita no Congresso desde 2013 e é alvo de controvérsia na comunidade científica.
A votação, no entanto, foi interrompida por um pedido de vistas do representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o médico Francisco Inácio Bastos, da Fundação Oswaldo Cruz. O pedido está previsto no regimento do órgão .
"Fiquei muito surpreso quando a votação da resolução entrou na pauta do encontro porque havíamos combinado, numa reunião técnica na véspera, que dedicaríamos o encontro à elaboração de uma agenda de trabalho para o conselho", disse Paulo Aguiar, representante do Conselho Federal de Psicologia.
Tanto a resolução proposta ao Conad como o PL 37, hoje no Senado, são de autoria do então deputado federal e hoje ministro de Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra (PMDB-RS), que se diz "militante do projeto de enfrentamento das drogas" e entrou no Conad em 2016.
"Disseram para votarmos a resolução primeiro e discutirmos depois, quando é óbvio que nada será mudado após sua aprovação", criticou Aguiar, que diz que a presença de um ministro de Estado como conselheiro causa desconforto e assimetria no colegiado.
"A resolução foi proposta de maneira pouco democrática: chegou pronta, sem discussão com o plenário. O ministro Osmar Terra quer aprová-la de todo jeito e a toque de caixa, já que não conseguiu fazer seu projeto avançar no Legislativo."
A resolução, assim como o PL de sua autoria, propõe uma política nacional contrária à legalização de qualquer substância ilícita e favorável a programas com foco na abstinência e ao trabalho de comunidades terapêuticas, instituições, em geral religiosas, que oferecem internação a dependentes químicos. Elas foram alvo de inspeção do Ministério Público Federal, que encontrou problemas de internações forçadas e sem registro, além de suspeita de trabalhos forçados.
Para Terra, "a proposta está mais do que debatida". "Todos tiveram tempo de ler e debater. Fiquei quatro anos da Comissão de Política de Drogas da Câmara e era sempre a mesma lenga-lenga", disse. "Quando mais cedo aprovarmos [a resolução], melhor poderemos agir na realidade. Hoje, estamos validando a política atual, que é ideológica e completamente fora da realidade."
Questionado se sua proposta não poderia também ser considerada ideológica, o ministro disse que não. "Ela é baseada em evidências científicas", declarou.
A próxima reunião do Conad deve ocorrer em março. O ministro Terra terá de deixar o Conad em abril, quando deixará a pasta do Desenvolvimento Social para se candidatar à reeleição na Câmara dos Deputados.
Segundo Aguiar, a sociedade precisa discutir a composição do Conad. "Boa parte delas são indicações do Ministro da Justiça, portanto, muito afinadas com o que ele quer. As vagas do terceiro setor, por exemplo, estão todas ocupadas por gente das comunidades terapêuticas."
O Conad --responsável por acompanhar a política de drogas-- tem 28 cadeiras, ocupadas pelo titular da Secretaria Nacional de Políticas de Drogas, representantes de ministérios, conselhos de classe e grupos da sociedade civil. Doze são de órgãos do governo federal e seis são indicadas diretamente pela Secretaria Nacional de Drogas (Senad), subordinada ao ministro da Justiça.
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