Cinco são condenados à prisão por morte da travesti Dandara

Vítima foi espancada e assassinada a tiros em Fortaleza em fevereiro de 2017

Thays Lavor
Fortaleza

O tribunal do júri do Ceará condenou à prisão, na madrugada desta sexta-feira (6), cinco pessoas acusadas de matar a travesti Dandara Kethlen, 42. As condenações variam entre 14 e 21 anos de reclusão.

O julgamento, realizado no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza (CE), durou aproximadamente 15 horas. A defesa dos condenados diz que vai recorrer contra a decisão.

A morte de Dandara ganhou repercussão internacional. A vítima foi espancada na rua e morta a tiros em fevereiro do ano passado em um bairro da periferia da capital cearense. O linchamento foi filmado pelos próprios agressores e as imagens grotescas do crime viralizaram na internet. 

Francisco José de Monteiro Oliveira Júnior, 22, que atirou duas vezes contra Dandara, foi condenado a 21 anos de prisão. Rafael Alves da Silva Paiva, 19, que desferiu chutes contra ela, cumprirá 16 anos.

Outros dois agressores que não aparecem nas imagens, Isaías da Silva Camurça, 26, e Francisco Gabriel Campos dos Reis, 20, foram condenados a 14 e 16 anos de prisão, respectivamente. Camurça proferiu insultos transfóbicos contra a vítima e insuflou os demais a matá-la, enquanto Reis participou ativamente do espancamento —no vídeo que viralizou foi responsável pelas chineladas aplicadas no rosto da vítima. 

O quinto condenado foi Jean Vitor da Silva Oliveira, 20, que agrediu Dandara três vezes com uma tábua, e também foi condenado a 16 anos.

Há ainda outros dois homens envolvidos. Jonatha Willyan Sousa da Silva, o responsável por filmar as agressões, e Francisco Wellington Teles, que levou Dandara ao local do crime, estão foragidos. Se presos, irão a julgamento.

Os acusados foram julgados pelo crime de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima). A transfobia, que é a discriminação contra travestis, transexuais e transgêneros, também foi considerada como um agravante pelo júri.

Nascida Antônio Cleilson Ferreira de Vasconcelos, adotou o nome de Dandara quando tinha 17 anos. Na lembrança da mãe, Francisca Ferreira de Vasconcelos, 74, a travesti era uma pessoa extrovertida, com uma veia humorística. "Eles atiraram pedra no meu filho, chutaram, bateram. O caixão precisou ficar fechado no velório e no enterro porque ele estava desfigurado", disse Francisca à reportagem, um mês depois do crime.

JULGAMENTO

O ponto alto do julgamento ocorreu durante o interrogatório de Francisco Gabriel dos Santos. Enquanto os demais negaram participação no crime, o réu afirmou que todo o grupo era envolvido com o tráfico de drogas e que tinha uma lei a cumprir na região onde vivia: matar sempre quem praticava furtos em Bom Jardim, bairro da periferia de Fortaleza.

Nos depoimentos, os réus afirmaram que Dandara não foi linchada porque era travesti, mas porque foi pega praticando furtos no bairro. No entanto, nenhum dos réus soube dizer o que a travesti furtou e quais foram as vítimas dela.

Para Ricardo Vasconcelos, irmão de Dandara, que acompanhou o julgamento, a acusação só aumentou ainda mais o sofrimento da família. “Minha irmã jamais foi uma criminosa e nunca roubou ninguém. Ter que estar aqui já é muito doloroso, e ainda escutar tudo isso é pior”, disse Ricardo.

A mãe, Francisca, optou por não comparecer ao julgamento, segundo ela, por medo de ser reconhecida pelos algozes de sua filha e sofrer algum tipo de retaliação.

"Eu quero Justiça, sim. Mas seja o que Deus quiser. Eu já pensei muito se iria ou não, mas não vale a pena, eu sofro muito, tenho medo de passar mal e não aguentar emoção. Mas eu também temo por minha vida, vai que eles queiram se vingar”, disse à reportagem.

VIOLÊNCIA

O Ceará tem sido marcado por sucessivos episódios de violência. Em 2017, foram registradas seis chacinas no estado —a maioria, na região metropolitana de Fortaleza. Neste ano, foram quatro ocorrências do tipo nos bairros de Cajazeiras, Benfica, Maranguape e Itapajé.

As chacinas são, segundo as investigações da polícia, promovidas a mando de facções rivais que brigam pelo controle do tráfico de drogas no estado, como o Comando Vermelho e o PCC (Primeiro Comando da Capital) —este último tem como principal aliado o grupo local Guardiões do estado, suspeito de comandar uma das chacinas deste ano.

O número de homicídios como um todo no Ceará só cresceu. Dos 3.407 casos em 2016 saltou para 5.134 em 2017, alta de 50%. Somente em Fortaleza, os assassinatos aumentaram ainda mais: 96%, saindo de 1.007 mortes em 2016 para 1.978 no ano passado.

Para o coordenador político do GRAB (Grupo de Resistência Asa Branca), Dário Bezerra, o caso representa uma vitória. “O fato de eles terem sido julgados não significa que mecanismos de enfrentamento da LGBTFobia estejam sendo construídos. Fora isso, dois dos envolvidos ainda estão foragidos e muitos outros casos ocorridos ao longo de outros anos ainda não foram elucidados”, avaliou o coordenador.

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