Trilhas na internet alimentam suicídio e são risco a corações frágeis

Comunidades exigem cautela por serem catalisadoras de ideias obsessivas

Painel de alunos da USP após três tentativas de suicídio em turma de medicina
Painel de alunos da USP após três tentativas de suicídio em turma de medicina - Divulgação - 1º.mai.17/ Folhapress
 
Marcella Franco
São Paulo

Fora dos domínios obscuros da “Deep Web”, submundo da internet onde se desenrolam livremente os fóruns sobre assuntos grotescos, vídeos criminosos e outras barbaridades, há, também, na “Surface Web” (aquela porção legalizada que você acessa diariamente), algumas trilhas mal iluminadas nas quais é preciso cautela.

Sem qualquer transgressão aparente, essas estradas guardam riscos potenciais aos corações mais frágeis. São, por exemplo, comunidades no Facebook erguidas com o pretexto apenas de alimentar a morbidez humana divulgando perfis de pessoas que já morreram, mas que, na prática, resultam em verdadeiros catalisadores de pensamentos obsessivos e, frequentemente, ideias suicidas prévias.

Eu faço parte de uma destas comunidades. E lá, entre as frequentes mortes acidentais no trânsito, eletrocussões e afogamentos aos quais todos nós já parecíamos anestesiados, sempre houve um ou outro registro incômodo de suicídio no feed. No entanto, há menos de um ano casos de pessoas que dão cabo da própria vida passaram a dominar esta macabra linha do tempo, acessível às quase 75 mil pessoas inscritas.

E, mais que o aumento, nota-se uma interação cada vez maior com este tipo de publicação. Afora o trivial DEP (“Descanse em paz”), parte habitual do vocabulário local, vê-se todos os dias mais comentários invejando a suposta “coragem” dos suicidas, bem como avisos de “Quem sabe um dia eu também consigo”.

Como mãe, posso dizer que há poucas coisas mais apavorantes do que imaginar a morte de um filho, ainda mais quando ela é evitável. Porque é esta a característica menos debatida e, de maneira proporcionalmente inversa, a mais necessária de se falar sobre quando o assunto é suicídio: a chance que talvez tenhamos de impedi-lo.

De tão delicado que é o tema, a ONU oferece capacitação para jornalistas escreverem de maneira responsável e evitar o chamado “efeito contágio”. O Unicef, por sua vez, lançou no final de 2017 um robô interativo com um único propósito: simular no Facebook as últimas 48 horas de uma garota que cogita acabar com sua vida. No projeto, cabia ao usuário tentar mudar o destino da jovem.

Vejo diariamente mães no WhatsApp divulgando, apavoradas, eventos sinistros em colégios vizinhos. Ensinam umas às outras modos de bloquear aplicativos —um dos mais recentes, o Simsimi, foi proibido esta semana no Brasil— nos celulares de crianças que, cada vez mais novas, são lançadas à terra de ninguém do mundo virtual.

Será que o caminho é proibir o acesso? Denunciar mensagens? E, juro, estas não são perguntas retóricas. Quem sabe devamos começar pela empatia, especialmente no cruel tribunal da internet onde correm soltos o bullying e o julgamento precipitado —não sei.

Embora acredite, particularmente, que o caminho possa estar na informação acessível, e no amor firme e vigilante aos filhos, sigo, como todos, em choque. Oxalá o grande debate não demore, para que nunca mais vejamos pais enterrando seus filhos em circunstâncias assim.

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