Diretor Cristiano Burlan trata suicídio como nexo com a vida

Jean-Claude Bernardet e Helena Ignez protagonizam 'Antes do Fim' 

Naief Haddad
São Paulo
O cineasta Cristiano Burlan, na abertura do 12º Festival de Cinema Latino de São Paulo, em 2017 - Zé Carlos Barretta/Folhapress

Aos 42 anos, o gaúcho radicado em São Paulo Cristiano Burlan já dirigiu mais de 15 filmes, entre longas e curtas-metragens.

Com quase o dobro da idade, 81 anos, o belga naturalizado brasileiro Jean-Claude Bernardet foi professor de cinema na USP e lançou mais de duas dezenas de livros. Tornou-se um teórico de prestígio incomum.

Na última década especialmente, distante das atividades acadêmicas, dedicou-se ao trabalho de ator.

Embora evidente, a diferença de gerações não ocupa lugar central na parceria de Burlan e Bernardet, registrada em filmes como "Hamlet" (2014) e "Fome" (2015).

Com estreia nesta quinta (15), "Antes do Fim" tem direção de Burlan e, mais uma vez, Bernardet entre os protagonistas, agora ao lado de Helena Ignez, 75.

Além do entusiasmo pelo cinema e da admiração mútua, o que os une, de fato, é a morte como tema de reflexão e expressão artística.

Bernardet recebeu o diagnóstico de HIV positivo em 1992, o que lhe rendeu a produção de um livro, "A Doença, uma Experiência", e a consciência da morte sempre à espreita. A condição não o impediu, contudo, de ler e escrever muito, além de atuar cotidianamente.

A morte também ronda Cristiano Burlan, mas por outras razões.

Um de seus irmãos foi assassinado com sete tiros no Capão Redondo, bairro paulistano onde a família vivia. O episódio resultou no documentário "Mataram meu Irmão", vencedor do festival É Tudo Verdade, de 2013, e do prêmio Governador do Estado.

Outros casos compõem a tragédia familiar. A mãe de Burlan também foi assassinada, e seu pai morreu em circunstâncias suspeitas, segundo o cineasta.

Velhice

O novo "Antes do Fim" começou a nascer da leitura de Burlan de um texto escrito por Bernardet em seu blog (jcbernardet.blog.uol.com.br/). O autor-ator questionava os métodos da indústria farmacêutica para prolongar a vida das pessoas mais velhas.

O filme acompanha a relação afetuosa e divertida de um veterano bailarino, vivido por Bernardet, e uma atriz, interpretada por Helena Ignez.

A fim de evitar a decrepitude, ele planeja o suicídio, decisão da qual sua mulher discorda, mas respeita.

Jean-Claude Bernardet e Helena Ignez em "Antes do Fim", de Cristiano Burlan
Jean-Claude Bernardet e Helena Ignez em "Antes do Fim", de Cristiano Burlan - Marina de Almeida Prado/Divulgação

"Não é uma ode ao suicídio", diz o diretor. "O suicídio aparece no filme como metáfora, como possibilidade de se conectar à própria vida."

Diante da sensibilidade do tema, uma rede de segurança —como a dos trapezistas— é a interpretação de Bernardet e Ignez, considerados "coautores" pelo diretor.

"Eu e Jean-Claude conversamos muito antes das filmagens. Mas, na hora de filmar, ele é extremamente disciplinado, não tem hesitações".

Aliás, as filmagens de Burlan para um longa-metragem costumam durar cerca de uma semana, tempo bastante curto em geral, essa etapa se estende de um a dois meses. "Fazer muitas tomadas não leva necessariamente a um resultado melhor. Prefiro pensar mais e filmar pouco."

Se a parceria com Bernardet começou há mais de cinco anos, o trabalho de Burlan com Helena Ignez teve início justamente com "Antes do Fim". "Apesar de fazer parte da história do cinema brasileiro, a Helena é uma mulher muito atenta às questões contemporâneas", afirma.

Em "Antes do Fim", a câmera está sempre próxima dos atores. O cineasta busca retratar os corpos como paisagens, como cartografias das vidas daquele homem e daquela mulher.

Um ano intenso 

O lançamento desse filme é o ponto inicial de um ano intenso para Burlan.

Ele finaliza outra ficção, "O Projecionista", cujo elenco inclui, mais uma vez, a dupla Bernardet e Ignez.

No terreno documental, o diretor deve concluir dois filmes neste ano. O primeiro tem como mote a obra do artista plástico carioca Nélson Félix .

O segundo é "Elegia de um Crime", sobre o assassinato da sua mãe, Isabel, em 2011. Depois de separar do pai de Burlan, ela se mudou para Uberlândia (MG), onde foi morta pelo novo companheiro, que ainda está foragido.

"É um filme muito simples. Eu não poderia estetizar a morte da minha mãe."

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