Murais de rua criados por Doria em SP sofrem com mato alto, lixo e pichação

Museus de Arte de Rua foram lançados após tucano tirar grafites da 23 de Maio

O primeiro Museu de Arte de Rua, lançado no Tucuruvi (zona norte), ficou parcialmente coberto pelo capim e com lixo nas calçadas
O primeiro Museu de Arte de Rua, lançado no Tucuruvi (zona norte), ficou parcialmente coberto pelo capim e com lixo nas calçadas - Reinaldo Canato - 11.mai.18/ Folhapress
São Paulo

Menos de um ano após o então prefeito João Doria (PSDB) pintar um coração no muro do primeiro Museu de Arte de Rua de São Paulo, muitos desses murais de grafite, promovidos pela prefeitura, sofrem com abandono.

A Folha percorreu os oito “grafitódromos” da primeira etapa do projeto e encontrou capim alto cobrindo parte dos murais, lixo acumulado e pichações sobre as pinturas originais. Há também casos em que a tinta descascou ou saiu completamente.

Os Museus de Arte de Rua (MAR) foram lançados após a gestão Doria apagar os grafites da av. 23 de Maio e se envolver em uma polêmica com artistas de rua na cidade. O tucano renunciou ao cargo após 15 meses para disputar o governo paulista e deixou Bruno Covas (PSDB) em seu lugar.

Para a primeira etapa, a prefeitura investiu R$ 200 mil e selecionou, por meio de uma comissão de artistas, oito projetos. As tintas foram doadas pela empresa Colorgin, que teve sua logo pintada nos murais.

Em janeiro de 2018, a Secretaria de Cultura anunciou a segunda fase, com custo de R$ 260 mil e oito painéis. Em abril, lançou a terceira edição.

O primeiro MAR, feito na rua Moacyr Vaz de Andrade em 28 de maio de 2017, no Tucuruvi (zona norte), é um dos afetados pela falta de manutenção do espaço. 

O mato do terreno acima cobriu parte dos murais e há lixo na calçada. “Está abandonado, sempre vazio”, diz a balconista Janaina Barros, 22, que passa por ali diariamente. 

O segurança Antônio dos Santos, 42, mora diante dos grafites. “Depois da inauguração não veio mais ninguém”, conta. No lançamento do projeto, Doria afirmou que os murais seriam atrações turísticas. 

“Com os MARs nós vamos identificar áreas onde as pessoas, sejam as de SP sejam outros visitantes, virão para conhecer, vão aos museus como parte integrante da sua visita à cidade de São Paulo”, disse o tucano, em março de 2017. 

No entanto, nos oito MARs, moradores e comerciantes afirmam que isso nunca ocorreu. O projeto foi inspirado em um bairro de Miami, Wynwood, que atrai mais de um milhão de visitantes por ano. 

“Miami? Turistas?”, diz, surpreso, o comerciante Fábio Tidei, 33, que mora e trabalha ao lado de um dos MARs, implantado no Centro de Educação Infantil Jardim Veronia (zona leste). Ele cai na gargalhada: “Aqui nunca veio turista. Na verdade eu achei que iam voltar para terminar a pintura, fizeram o serviço pela metade”. 

A reclamação de Tidei se explica porque várias partes do muro ficaram em branco. A tinta usada não foi bem aplicada e é possível ver os desenhos anteriores por baixo. Em outros pontos, a pintura saiu, dando a impressão de que o mural está sujo ou velho. 

Lançado em julho de 2017, o grafite já foi pichado e tem até um aviso: “O lixo que você joga no chão não fala, mas fala muito sobre você”. Assim como a pintura, a reclamação não foi respeitada: bem ao lado, há entulhos, sacolas e até um colchão jogados. Moradores dizem que o local virou um ponto viciado de descarte. 

Outro MAR que acumula lixo ao redor é o da praça Christina Boemer Roschel, no Grajaú (zona sul). O mural, entretanto, está em bom estado. 

No MAR da Cidade Tiradentes (zona leste), moradores reclamam que apenas uma fachada de cada edifício da Cohab foi pintada, enquanto as outras estão só no concreto. “Esses prédios nunca receberam tinta, podiam ter pintado inteiro”, diz Leandro Dias, 35, síndico de um dos edifícios. Apesar da crítica, ele considera o projeto positivo: “Deu uma diferenciada, gostei”. 

Nesse MAR, há grafites conservados e outros nem tanto. No prédio ao lado, uma parte da pintura saiu. O adolescente Kayann Resende, morador do edifício, diz que a tinta foi lavada pela chuva: “Como foi de graça, dá para o gasto”.

Dos oito MARs, os que estão em melhores condições são aqueles localizados dentro de escolas ou em áreas com movimento e segurança. Esse é o caso dos murais no Emef Edgard Cavalheiro (zona leste) e do CEU Jaguaré (zona oeste).

O MAR Aricanduva, na zona leste, realizado nas pilastras de um viaduto e rodeado por uma praça, está bem conservado. Ali a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente mantém segurança 24h. Os moradores elogiam, principalmente, a iluminação do projeto. 

“Antes era escuro, dava medo”, diz a aposentada Silvia Gonzaga, 66, que mora na praça. A vizinha Aparecida Gomes, 76, tem a mesma opinião. “Melhorou a limpeza.” 

O MAR da Barra Funda, nos muros da estação da CPTM, é o mais movimentado. O mural se beneficia dos comerciantes e da segurança da estação. “Muita gente tira foto, mas não é turista, é passageiro”, diz Lucas Jonathan, 19, que tem uma barraca no local. 

Procurados, alguns artistas do MAR não quiseram se manifestar. Há casos em que grafiteiros não desejam ser associados ao projeto, com o qual não concordam, e usam nomes diferentes no edital, para evitar serem reconhecidos. A Folha também ouviu relatos de que as tintas doadas não eram de boa qualidade. 

Para Anderson Hope, 43, artista do MAR da Cidade Tiradentes, o projeto foi “um sonho realizado”. “Pintei um prédio sozinho. Isso me abriu portas”, diz ele, que mora no bairro. O projeto incluiu uma oficina para crianças da região.

O artista Sérgio Lopes, 30, o Snek, fez parte do primeiro MAR, no Tucuruvi, e elogia a iniciativa. “Deu oportunidade para pessoas que nunca tinham participado de projeto. Foi mais democrático”, diz. 
Ele afirma ainda que, no caso do Tucuruvi, há poucas pichações. “Cada artista do nosso projeto chamou um aprendiz da região. Então a molecada que picha foi incluída.” 

Questionada, a Colorgin disse que “atesta sua qualidade através da norma ISO 9001”. “A empresa reforça a importância de serem seguidas as recomendações de uso, especificadas nas embalagens”, afirmou.
A prefeitura disse que as edições do MAR envolveram cerca de 200 artistas. “Vale lembrar que os grafites são efêmeros, e a rotatividade das obras nos muros faz parte do cenário cultural paulistano.” 

Sobre a zeladoria, a gestão disse que a Prefeitura Regional Capela do Socorro faz serviços frequentemente na praça Christina Boemer Roschel.

Após questionamento da Folha, a prefeitura fez uma limpeza e corte do capim na rua do MAR Tucuruvi e no Jardim Veronia. “A colaboração da população é fundamental para a preservação da limpeza das vias públicas”, afirmou.

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