Descrição de chapéu Mobilidade urbana

Tarifa de transporte é tabu, e SP investe menos 5 anos após atos de junho

Depois de 2013, passagem sobe aquém da inflação, subsídio salta e obra cai

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Debate promovido pelo Movimento Passe Livre na quarta (6) nas escadarias do Theatro Municipal , centro de São Paulo
Debate promovido pelo Movimento Passe Livre na quarta (6) nas escadarias do Theatro Municipal , centro de São Paulo - Jorge Araújo/Folhapress
São Paulo

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"Vamos juntar, vamos juntar", diz um rapaz ao microfone para um grupo de cerca de 30 pessoas espalhadas pela escadaria do Theatro Municipal, centro de São Paulo, na noite fria de quarta (6).

O evento mirrado, um debate promovido pelo MPL (Movimento Passe Livre), marcou o aniversário de cinco anos do início dos protestos de junho de 2013 contra o aumento das tarifas do transporte público.

Naquele mês, não só as escadarias do teatro como as ruas do centro e outras avenidas da cidade foram tomadas por milhares de pessoas, forçando o então prefeito, Fernando Haddad (PT), e o governador da época, Geraldo Alckmin (PSDB), a voltarem atrás em um aumento de 20 centavos (de R$ 3 para R$ 3,20).

O episódio inédito chacoalhou o cenário político do país e fez despencar a avaliação de prefeitos, governadores e da então presidente Dilma (PT).

Após o desgaste sofrido por Haddad e Alckmin na ocasião, os reajustes dos valores das passagens do transporte público viraram um tabu diante do temor de novos protestos. Em São Paulo, depois disso, os três últimos aumentos de ônibus, trem e metrô ficaram abaixo da inflação —enquanto os três reajustes anteriores a 2013 tinham superado a inflação acumulada.

Um efeito desse temor foi a expansão das gratuidades para estudantes e idosos, por iniciativa tanto do Executivo quanto do Legislativo, fazendo disparar o subsídio, que é o gasto público para compensar a diferença entre as tarifas e os custos reais do sistema.

Os subsídios em alta e a crise econômica aparecem como justificativas dos governantes para a diminuição dos gastos com obras e melhorias do transporte público.

Em 2013, a cidade de São Paulo gastava R$ 1,6 bilhão neste subsídio, em valores corrigidos. Já em 2017 esse valor quase dobrou, chegando a R$ 2,9 bilhões. No caso do estado, Metrô e CPTM somados, os repasses do governo para as estatais somavam R$ 1,3 bilhão, em valores corrigidos. No ano passado, eles beiraram R$ 2 bilhões.

Ao mesmo tempo, os investimentos —gastos com obras, excluindo manutenção— têm caído nos últimos anos. O valor usado pela prefeitura com obras e melhorias do transporte subiu de R$ 130 milhões, em 2013, para R$ 526 milhões, em 2014, mas despencou para R$ 45 milhões no ano passado.

 

No estado, os investimentos da pasta de Transportes Metropolitanos saíram de R$ 6,5 bilhões no ano dos protestos para R$ 7,3 bilhões em 2014 e R$ 5,8 bilhões em 2017.

A pasta estadual, ligada ao governo de Márcio França (PSB), afirma que "os valores investidos variam ano a ano principalmente de acordo com o estágio de obras".

Citando números nominais, sem correção pela inflação, ela diz que não houve queda entre os anos de 2013 e 2017.

"É uma escolha da cidade, das sucessivas administrações, subsidiar o transporte. Claro que isso acaba comprometendo o orçamento de outras iniciativas", afirma o secretário municipal da Fazenda da gestão Bruno Covas (PSDB), Caio Megale.

Sem o subsídio, a tarifa cheia municipal, de R$ 4, custaria R$ 6,66 aos passageiros, conforme os cálculos da prefeitura. Segundo Megale, diante da opção pelo alto subsídio, cabe à prefeitura manter as contas equilibradas.

Entre as medidas de austeridade implantadas pela atual gestão está a limitação do transporte estudantil gratuito, implantado pelo ex-prefeito Haddad na esteira dos protestos. Os estudantes podiam, antes, usar o ônibus até oito vezes ao longo do dia —agora, podem fazer o mesmo número de viagens, mas em dois períodos de duas horas.

O Movimento Passe Livre vê essa medida como uma ameaça aos reflexos de junho de 2013. "Todas as conquistas, com crise econômica, ficam ameaçadas. Se a população não se organizar, a tendência é eles irem tirando aos poucos", afirma o professor Diego Soares, ligado ao MPL.

O público dos protestos organizados pelo Passe Livre nos anos seguintes não chegou nem perto do de 2013. Soares nega que os atos venham minguando e diz que "junho foi muito fora da curva".

Entre os ganhos do movimento, ele também elenca o foco na discussão da mobilidade urbana e a inclusão do direito ao transporte como um direito na Constituição.

Inspirador do MPL ao idealizar o passe livre em SP, Lúcio Gregori, engenheiro e ex-secretário de Transportes na gestão Erundina (1989-1992), acrescenta uma mudança.

"Deixou de ser um problema técnico, que só os especialistas sabem resolver, e se transformou em uma questão política, o que de fato é: uma disputa política", diz ele, que defende mudanças em impostos para bancar o subsídio.

Gregori afirma que o subsídio paulistano é menor do que o de cidades europeias. No sistema de ônibus da cidade de São Paulo, esse gasto fica em 38% da passagem.

Segundo publicação de abril da Autoridade de Transporte Metropolitana Europeia, a maioria das capitais do continente tem entre 40% e 60%.

Entre os extremos, há desde Praga, na República Checa, com 78% de subsídio ao setor, até Amsterdã, na Holanda, onde esse índice foi de zero no período avaliado.

Expansão de metrô e corredores de ônibus tem passos lentos

Ao contrário dos subsídios, a infraestrutura e a qualidade de transportes da cidade de São Paulo não podem ser comparadas com as das principais cidades europeias. A rede paulista de metrô, por exemplo, é limitada a 89,7 km, contra 402 km em Londres. Além disso, as obras seguem em passos lentos, com todas as novas linhas atrasadas.

Vistos como alternativa mais barata, rápida e eficaz, corredores de ônibus à esquerda pouco têm avançado.

O ex-prefeito Haddad prometeu 150 km, mas fez 42 km. Sem repasses federais e em resposta aos protestos, criou 423 km de faixas de ônibus à direita, alternativa mais barata, embora sem a mesma eficiência dos corredores.

Os corredores também pouco evoluíram na gestão João Doria/Bruno Covas (PSDB). A principal promessa, um corredor batizado como Rapidão, ainda não saiu do papel.

Para o consultor em transporte Horácio Figueira, os corredores são a principal alternativa para combater a baixa velocidade do sistema de ônibus. Sem isso, o transporte público deve perder passageiros para aplicativos de compartilhamento de veículos. 

"A cidade não pode esperar, porque ela está sendo tomada por veículos individuais", diz.

A baixa velocidade também afeta os custos do sistema de ônibus, diz o SPUrbanuss (sindicato que representa as empresas de ônibus). Quanto mais lentidão, mais veículos e combustível são usados.

A reformulação da rede de ônibus, com novos contratos e condições firmadas com as viações, é uma promessa que se arrasta desde 2013.

Após seguidos atrasos, Haddad deixou a pendência com Doria, que deixou com Covas, que promete agora concluir a licitação lançada em abril deste ano para selecionar os prestadores de serviço pelas próximas duas décadas.

A prefeitura pretende cortar custos —e, para isso, prevê reduzir linhas e frota, embora adote discurso de que usuários não serão prejudicados.

Para o diretor executivo da SPUrbanuss, Carlos Alberto de Souza, exigências do contrato, que vão da colocação de wifi à troca por ônibus menos poluentes, ameaçam essa perspectiva de diminuição de despesas —ao menos enquanto os corredores não saírem.


CENAS MARCANTES DE JUNHO DE 2013 EM SÃO PAULO

Eduardo Anizelli - 13.JUN.13/Folhapress

O PM Henrique Expedito de Jesus foi flagrado agredindo o casal Gabriela Lacerda e Raul Longhini em frente a um bar na av. Paulista, no centro de São Paulo. Gabriela afirmou que, no momento da agressão, não participava mais dos protestos. O governo do estado informou na ocasião ter aberto um inquérito sobre o assunto. Oito meses depois do ocorrido, não havia decisão. Nesta semana, a PM não respondeu às questões da reportagem relativas ao caso

Drago/SelvaSP

O apedrejamento do soldado da Polícia Militar Wanderley Vignoli, revelado pela Folha, foi um dos episódios que fez subir a tensão entre a polícia e os manifestantes. Ele tentava impedir a pichação do muro do TJ-SP quando pessoas começaram a atirar objetos e pedras em sua direção. Depois do episódio, o policial ganhou título de Cidadão Paulistano. Os dois acusados pelo crime foram inocentados na Justiça por falta de provas

Fábio Braga/Folhapress

Uma das imagens mais conhecidas dos protestos de junho de 2013 foi a de Pierre Ramon Oliveira, então com 20 anos, depredando o prédio da Prefeitura de São Paulo. Em 2017, ele foi condenado pela Justiça a pagar R$ 100.302,57 como reparação dos danos materiais e mais R$ 10.030 por danos morais coletivos. No processo, a defesa de Pierre alegou que não são especificados os danos que teriam sido provocados por ele

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