Vigilante improvisa 'drone caipira' com pipa no interior de São Paulo

Sem dinheiro, fotógrafo amador usa criatividade e dá oficina para crianças

Helba Diniz
Ribeirão Preto

A paixão pela fotografia e as alturas e a falta de dinheiro para realizar o sonho de comprar um drone levaram Luciano Semeão, 43, vigilante de Cajuru, no interior paulista, a usar a criatividade.

Numa brincadeira com amigos há quatro anos, ele programou uma câmera para tirar fotos automaticamente e a jogou para cima. Gostou do resultado e da experiência e pensou: por que não tirar fotos do alto sem o drone?

Inventou então uma espécie de "drone caipira": uma pipa de 1,2 m por 1,1 m, com uma GoPro (uma câmera compacta, leve, que pesa 72 g) acoplada, comandada por uma linha reforçada de algodão.

"Ela alcança no máximo 300 metros de altura, dependendo do vento e da corrente de ar", explica ele sobre a engenhoca. "Diferentemente do drone, que pode não sair do chão sob essas condições, porque correntes de vento fortes podem prejudicar seu voo".

Semeão fotografa em lugares abertos, para minimizar os riscos de atingir equipamentos ou pessoas. Lavouras, fazendas, cachoeiras, montanhas e praias, tudo é cenário.

Feita com tecido de sombrinha, varetas de bambu e isopor de bandeja de legumes no estabilizador da câmera, a pipa é confeccionada com linha, agulha e na máquina de costura, pelo próprio vigilante.

A linha é de cordonê —usada para costurar couro. Ele usa um aplicativo de celular para garantir as imagens.

A primeira pipa, feita há quatro anos, era de papel e vem sendo aperfeiçoada. "Com o estabilizador, comecei também a gravar imagens, mas não é fácil, o equipamento movimenta muito com o vento", diz.

Segundo a Anac (Agência de Aviação Civil) como a pipa não tem motor, Luciano deve seguir as orientações do Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo).

O Decea diz que, por analogia, a pipa é tratada como um balão cativo, preso ao chão por amarras. Como alcança 300 m, pode gerar ameaça à segurança das operações aéreas.

Se alçada próximo a um aeroporto, por exemplo, pode trazer perigo de colisão aos aviões pousando ou decolando por instrumentos (nas quais o piloto se baseia nos computadores, em vez de referência visual). Semeão diz que deve pedir permissão ao Decea. 

Há um mês, o vigilante deu uma oficina para crianças no Sesc de Ribeirão Preto (a 290 km de SP). Foram 20 alunos de 6 a 15 anos de idade, além dos pais de alguns alunos. Depois será a vez do Sesc de Campinas receber o projeto. 

Nas aulas, a pipa —que remonta a várias culturas e surgiu na China antiga— encanta a criançada. "Eu ensino a fazer a pipa e a acoplar a câmera na linha", diz. Segundo ele, o interesse dos alunos é grande. "Só não é maior do que o prazer de ensinar."

Semeão enfrentou muitas dificuldades, com uma infância marcada pela pobreza. Há cinco anos teve um problema na coluna que o deixou numa cadeira de rodas por mais de um ano —consequência, diz, do excesso de esforço em usinas de cana e fazendas de café. 

O vigilante se recuperou depois de uma cirurgia. A história de superação e a repercussão sobre o "drone caipira" chamaram atenção de uma produtora de filmes que o indicou para conduzir a tocha olímpica em Ribeirão, em 2016. "Ainda guardo o uniforme e a tocha. Foi emocionante."

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