Rua eclética no centro de SP une de bar e pensão a escritório e galeria de arte

Nessa via na Santa Cecília, o novo se mistura ao antigo; assaltos preocupam

Mario Melilli, 70, conhecido como "o rei da rua Barão de Tatuí", na Santa Cecília, centro de SP - Gabriel Cabral/Folhapress
Débora Miranda
São Paulo

​Um mundo em 650 metros de asfalto. Assim é a rua Barão de Tatuí, na Santa Cecília, no centro paulistano.

Lá, o antigo se mistura ao novo na mais perfeita harmonia. Pensões convivem com galerias de arte, lojas de design e escritórios de arquitetura. Botecos e bares de sinuca dividem espaço com restaurantes de chefs estrelados.

Os espaços religiosos se encontram em tranquilidade absoluta. E moradores antigos recebem de braços abertos uma geração de jovens em busca de um espaço plural para viver e trabalhar.

“É um lugar híbrido, com um público e um entorno muito diversos. Tem um restaurante bacana, mas ao lado está a costureira de bairro. Tem uma mecânica e, perto, uma loja de decoração. É uma área onde ainda existe o conceito de cidade democrática”, afirma Elisio Yamada, sócio-diretor da Galeria Pilar, que abriu as portas na Barão de Tatuí em 2011 e, hoje, divide a cena com outros espaços dedicados às artes plásticas, como a 55SP e a Galeria VerArte.

Internacionalmente reconhecidos por seus trabalhos de design, os irmãos Fernando e Humberto Campana também têm um estúdio ali. “Essa rua é um organismo vivo”, define o arquiteto Eduardo Manzano, do EMDA Studio.

Depois de trabalhar na Vila Olímpia e em Pinheiros, ele buscava mudanças. Foi convidado por Mila Strauss, do escritório MM18 Arquitetura, também na rua, a se mudar para o mesmo prédio.

“Aproveitamos a oportunidade para criar um espaço de arte e design. A Barão de Tatuí é uma rua disruptiva com relação àquela coisa quadrada e fechada do eixo Jardins-Faria Lima-Vila Olímpia”, diz.

O prédio em que Manzano instalou seu escritório pertence a um dos moradores mais ilustres da rua: Mario Melilli, 70. Nascido na Itália, ele se mudou para a Barão de Tatuí aos nove anos, assim que chegou ao Brasil. Morava em uma pensão com os pais e os cinco irmãos. A história de Melilli se confunde com a da rua. Permeiam suas memórias a dificuldade com o idioma e a gozação dos amigos de escola, as idas ao Cine Itamarati, os jogos de futebol. Nunca esteve longe da rua e diz que pretende continuar assim.

O pai de Melilli começou trabalhando como garçom, mas não demorou para que a família decidisse abrir uma rotisseria. Depois, inaugurou um bar e daí para um restaurante foi um pulo. Não parou mais.

Os italianos criaram inúmeros negócios no mundo gastronômico —e Melilli, aos poucos, foi adquirindo imóveis na Barão de Tatuí. Hoje é dono do restaurante Così, do prédio em que mora e de outros espaços que não revela.

Mas diz que o mais importante é a diversão. Gosta de reunir amigos, passear na rua e uma boa conversa. “Minha filosofia é viver despojadamente”, afirma. Cumprimenta todos pelo nome e é cumprimentado da mesma forma.

Pluralidade define a Barão de Tatuí. A rua tem restaurante baiano, italiano, japonês, alemão, vegano e até kosher. Religiões variadas também convivem em tranquilidade ali. Há uma casa de candomblé e umbanda, testemunha de Jeová, centro espírita, igreja presbiteriana e católica —que, na verdade, fica na rua Jaguaribe, na altura em que a Barão de Tatuí termina.

“Nunca tivemos nenhum problema com os outros espaços religiosos. É o desenvolvimento natural da cidade, as pessoas se instalam onde têm condições”, afirma Luiz Gorga, diretor da área de ensino do Núcleo Fraterno Samaritano - Centro Espírita Kardecista. A única preocupação de Gorga com a Barão de Tatuí não tem a ver com religião.

“O grande ponto negativo da rua hoje são os assaltos. Invadiram aqui três vezes, sempre de madrugada. Também entraram na cervejaria em frente e sei que o restaurante alemão teve problemas”, conta. Vizinho do centro espírita, Elisio Yamada, da Galeria Pilar, diz que a rua muda, há uma requalificação dos imóveis, mas o espaço urbano nem sempre acompanha essas melhorias. Ele cita problemas de descarte de lixo e entulho próximo.

A Banca Tatuí, que vende literatura independente, também foi invadida há alguns anos. Mas a experiência teve um lado positivo. “Em 2014, vimos que uma banca deteriorada da Barão de Tatuí estava à venda. Compramos e, na primeira semana, entraram pelo teto durante a madrugada e roubaram todo o nosso caixa, em torno de R$ 3,50. O dinheiro era pouco, mas pisaram nos livros e nos mostraram que a banca era frágil”, lembra Cecília Arbolave, jornalista e editora da Lote 42, empresa que mantém com o marido, João Varella, na Barão de Tatuí —onde também vivem.

A solução encontrada foi, na reforma, vedar o telhado e colocar um jardim. Quando o engenheiro que fez a obra disse ao casal que o teto aguentava mais de uma tonelada, surgiu uma ideia inusitada: transformá-lo em um palco para shows, realizados ao ar livre em lançamentos da editora.

NOVA VILA MADALENA

Para Octavio Pontedura, sócio da imobiliária Refúgios Urbanos, a Santa Cecília é a Vila Madalena de amanhã. Ele afirma que a tendência é que o bairro se torne badalado, desejado e, portanto, valorizado.

“O perfil das pessoas que estão indo morar lá hoje é o mesmo de quem foi para a Vila Madalena nos anos 1980. São jovens ligados à arte e à cultura, que encontram ali benefícios, como prédios antigos e mais espaçosos.”

A Barão de Tatuí ainda se destaca por ter fios de eletricidade enterrados. Segundo a Eletropaulo, é assim desde meados da década de 1970.

Os valores praticados na Santa Cecília estão, por enquanto, bem abaixo dos da Vila Madalena. Segundo Pontedura, no primeiro bairro, o metro quadrado fica, em média, de R$ 6.000 a R$ 8.000, enquanto que, no segundo, pode chegar a R$ 11 mil.

Ele ressalta que a Santa Cecília se diferencia por ter preservado um forte senso de comunidade. “Sempre foi um bairro em que as pessoas se conhecem e se cumprimentam na rua. Ainda tem esse clima humano.” 

O arquiteto Eduardo Manzano cita a urbanista canadense Jane Jacobs (1916-2006): “Ela falou, já nos anos 1960, que a relação da pessoa com a rua e com o ambiente é o que faz a cidade valer a pena. É isso justamente que atrai as pessoas para a Barão de Tatuí”.

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