Zé Gotinha enfrentou forte resistência no início, lembra idealizador do personagem

Criador da fantasia é o artista plástico Darlan Rosa, 71, morador de Brasília

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Darlan Rosa, que criou o personagem Zé Gotinha há 30 anos
Darlan Rosa, que criou o personagem Zé Gotinha há 30 anos - Pedro Ladeira/Folhapress
São Paulo

Hoje unanimidade entre autoridades de saúde, Zé Gotinha enfrentou resistência no início e foi modificado com o passar do tempo —nem sempre para melhor, diz seu criador, o artista plástico Darlan Rosa, 71, morador de Brasília.

Nos anos 1980, ele foi contratado pelo Unicef (braço da ONU para a infância) para desenhar um símbolo para a campanha de erradicação da pólio. Por já ter feito um programa infantil na televisão, ele tinha alguma ideia do que as crianças iriam gostar —e ela não tinha muito a ver com o que vinha sendo feito, lembra. 

“Me levaram para ver uma campanha de vacinação no Nordeste. O Exército estava lá ajudando. Parecia um campo de batalha”, diz. Na contramão desse simbolismo de guerra, ele decidiu criar um boneco lúdico que andava por uma cronologia, com os anos que faltariam para o país erradicar a doença. Fazê-lo andar tinha  o objetivo criar contraste com as imagens de paralisia infantil associadas ao vírus.“Minha ideia era trazer a criança para o processo, para ela querer ir se vacinar, em vez de o pai levá-la à força”, diz.

Segundo ele, porém, naquele momento o Ministério da Saúde não gostou. “Reclamavam que não dava para tratar uma coisa tão séria com uma fantasia”, diz Darlan Rosa.

Mas o Unicef, que havia pago pelo trabalho, bancou a ideia, e ela pegou. Rosa viajou a diversos estados para divulgar o personagem a profissionais de saúde. Para torná-lo conhecido entre o público geral, foi feito um concurso para escolher seu nome. E aí, o idealizador conta que uma nova polêmica apareceu.

O regulamento dizia que não podia ser nome de pessoa e, para piorar, o presidente era José também —José Sarney. Mas foram tantas sugestões de Zé Gotinha que ele assim foi batizado, e uma das crianças que propôs o nome foi eleita vencedora por sorteio.​

Passada a resistência inicial, Rosa diz ter ficado com medo quando Fernando Collor assumiu a Presidência, em 1990. Temia que a equipe do novo governo abandonasse o personagem. A saída foi tentar agradá-lo, diz Darlan.

Ao notar a insistência de Collor em tirar fotos em situações de poder, como em jatinhos e na direção de carros, ele fez um vídeo com o Zé Gotinha em situações similares. Jura que deu certo. “Um dia, o Collor desceu a rampa do Palácio do Planalto junto com o Zé Gotinha.”

Em 1994, o Brasil recebeu o certificado de erradicação da pólio. Rosa fez também a campanha de erradicação do vírus em Angola, mas optou por usar uma estrela como símbolo. “Muitas mães no país não sabiam ler, mas sabiam contar. E elas precisavam lembrar que eram cinco vacinas, como as cinco pontas de uma estrela.”

Depois, passou a se dedicar mais às artes plásticas. “Pensei algo como ‘já dei minha contribuição à humanidade, agora posso ser artista’”, brinca. Sua criatura ficou, mas sofreu modificações não necessariamente do agrado do criador. “Eu fiz o Zé Gotinha como um ser ‘elemental’, ou seja, feito de água. Agora não vejo com muitos bons olhos que transformaram ele numa criança. Como uma criança vacina outra?”

Já as fantasias de Zé Gotinha que ganharam as redes por seu aspecto um pouco assustador —uma delas lembrava a vestimenta da organização rascista Klu Klux Klan— ele avalia de outra maneira.“Os profissionais de saúde que fazem a vacinação nos municípios são pessoas geralmente com uma dedicação enorme, mas poucos recursos para fazer uma fantasia”, diz. “Deveriam editar um guia de orientação.”

Apesar das reproduções distorcidas, ele está feliz com a longevidade do seu personagem. “Volta e meia querem enterrar o Zé Gotinha, mas aí está ele”, comemora.

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