Não faz sentido ao cidadão atuar na política só pelo voto, diz observador internacional

Responsável por programa de transparência em Barcelona defende participação contínua na administração pública

Gabriela Longman
UBERLÂNDIA

"Dados são um tesouro que sempre esteve aí, mas não valorizávamos. É como o petróleo. É o novo petróleo."

Responsável pela implementação dos programas de transparência e participação da Prefeitura de Barcelona nos últimos oito anos, Carles Agusti i Hernàndez esteve no Brasil para defender mecanismos de inclusão crescente dos cidadãos nas decisões tomadas pelo dia a dia da administração pública.

Carles Agusti i Hernandez, responsável pela implementação dos programas de transparência e participação da Prefeitura de Barcelona nos últimos oito anos
Carles Agusti i Hernandez, responsável pela implementação dos programas de transparência e participação da Prefeitura de Barcelona nos últimos oito anos - Reprodução

"Com o aumento das ferramentas de tecnologia e interação, não faz sentido que a participação política continue se restringindo ao voto uma vez a cada quatro anos", disse em entrevista à Folha durante o congresso Cities (Congresso Internacional de Tecnologia, Inovação, Empreendedorismo e Sustentabilidade), em Uberlândia (MG).

"Cidadãos precisam poder intervir, pensar e propor de maneira contínua, numa cidade de qualquer escala."

Ao longo de seu mandato como secretário geral da OIDP (Observatório Internacional da Democracia Participativa), Hernàndez se aproximou de diferentes experiências internacionais e tornou-se profundo conhecedor das políticas de orçamento participativo implementadas em Porto Alegre nos anos 1980 e 1990 ("não são uma solução final, mas são uma ótima ferramenta de aprendizado").

Segundo ele, é preciso que a administração na qual se tenta desenvolver mecanismos de participação direta acredite efetivamente no que está fazendo ("há muitas ações só de fachada") e que as políticas participativas sejam implementadas de um modo transversal.

"Se falamos de uma administração municipal, a chave e a única possibilidade é que o prefeito esteja pessoalmente envolvido. Muitas experiências de governo aberto são feitas por uma pessoa ou departamento, mas não há uma mudança real. Em Barcelona, criamos uma comissão tanto técnica quanto política em que a autoridade do prefeito dá a última palavra contra qualquer resistência."

Para além das mudanças nos corredores administrativos, o catalão aponta o processo de mudança de mentalidade dos próprios cidadãos, mais lento e mais complexo.

"Não basta disponibilizar os dados e abrir os processos se ninguém sabe o que fazer com eles. Nesse sentido, há todo um trabalho permanente desenvolvido nas escolas, junto aos idosos, nas comunidades rurais."

Em Barcelona, por exemplo, um dos debates atuais diz respeito à gestão da água, se deve ser feita pela prefeitura ou privatizada. "As consultas populares antes eram restritas a uma a cada quatro anos para a toda cidade. Não deve ter limite. Com a tecnologia, é muito mais fácil criar plebiscitos restritos a um único bairro ou mesmo a uma única rua."

Para ilustrar seus propósitos, pede que se imagine um bolo. "Transparência nos permite ver o recheio, o que há por baixo da cobertura. Mas governo aberto é mais: é poder ver cada um dos ingredientes, mexer na receita e nas proporções."

Em curso nesse momento na União Europeia, um debate tenciona por um lado para abertura de dados por parte de governos e empresas e, por outro, pela proteção de dados e privacidade individuais coletados e comercializados aplicativos e plataformas de tecnologia. "Não são ações contraditórias, mas caminham em paralelo e esbarram uma na outra em diferentes sentidos. É inegavelmente um dos debates mais importantes deste momento."

POLO DE INOVAÇÃO NACIONAL

Ao sediar pelo segundo ano consecutivo o evento Cities, a cidade mineira de Uberlândia procura se estabelecer como celeiro de start-ups e deslocar debates e negócios para lá das capitais. Lançado na última semana, o principal ranking sobre smart cities no Brasil deu à cidade mineira o 29º lugar. Curitiba, São Paulo e Vitória lideram a corrida.

Nascido da conjunção entre universidade (Universidade Federal de Uberlândia), federação das indústrias (Fiemg) empresas do setor de tecnologia (Algar), Sebrae e Prefeitura, o evento recebeu aproximadamente 4.000 pessoas, com estudos de caso sobre experiências no Porto, Tel-Aviv e Barcelona, entre outras. 

"Somos um dos países mais empreendedores e menos inovadores. A gente compra equipamento alemão para o agronegócio, tecnologia chinesa. Como isso vai funcionar para o brasileiro? Quando carros elétricos ou máquinas de bitcoins chegarem por aqui, sabemos o que fazer?", pergunta Pedro Mendes, coordenador de negócios internacionais e inovação da Fiemg. 

 

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