Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Repasse federal ao Museu Nacional cai à metade nos últimos cinco anos

Crise deteriorou contas públicas e levou a redução de investimentos no país

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Rio de Janeiro e Brasília

Os repasses do governo federal ao Museu Nacional, destruído pelo incêndio no Rio, caíram praticamente à metade nos últimos cinco anos: de R$ 1,3 milhão, em 2013, para R$ 643 mil, no ano passado.

A queda próxima de 50% foi maior do que a do total destinado pela União a um conjunto de 25 museus sob sua responsabilidade, que perderam 10% dos recursos. Ela ficou acima também dos cortes de outros investimentos federais.

Os dados foram levantados pela Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, com base no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) do governo federal. A Folha corrigiu os valores pela inflação do período, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

Os recursos recebidos pelo Museu Nacional se referem a repasses da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que recebem verba do Ministério da Educação, e do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), ligado ao Ministério da Cultura, para itens como capacitação de servidores, concessão de bolsas de estudo, reestruturação, expansão e modernização da instituição.

Mais antigo do país, o Museu Nacional é subordinado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e vem passando por dificuldades geradas pelo corte no orçamento para a sua manutenção. A instituição apresentava sinais visíveis de má conservação, como paredes descascadas e fios elétricos expostos.

A instituição está instalada em um palacete imperial e completou 200 anos em junho —foi fundada por dom João 6º em 1818. Seu acervo, com mais de 20 milhões de itens, tem perfil acadêmico e científico, com coleções focadas em paleontologia, antropologia e etnologia biológica. Menos de 1%, porém, estava exposto. ​

De janeiro a agosto, o governo desembolsou R$ 98 mil para o museu, segundo os técnicos da Câmara. No mesmo período de 2013, o pagamento havia sido de R$ 666 mil, ou seja, houve uma redução de 85%.

A situação é reflexo da crise econômica do país, que em 2014 mergulhou em uma recessão que deteriorou as contas públicas. As receitas caíram e as despesas, que já estavam em ascensão, seguiram crescentes, provocando um desequilíbrio fiscal.

Para controlar o descompasso, o governo contingenciou verbas previstas não só para a Cultura, mas para vários setores da administração, como Esporte e Ciência e Tecnologia.

Segundo dados do Tesouro Nacional, os investimentos federais caíram 44% de 2013 a 2017. Já as despesas de custeio passíveis de corte na gestão federal recuaram 1,4%. No caso de desembolsos ao Ministério da Educação, houve alta de 6,3% no período.

A redução de verba ao Museu Nacional, no entanto, não se deve só ao aperto fiscal.

Do início de 2015 até agora, as despesas discricionárias (aquelas que o gestor público tem capacidade de manejar) caíram de R$ 180 bilhões ao ano para R$ 130 bilhões ao ano.

Os gastos federais com a instituição em 2017 foram menores, por exemplo, do que os previstos na montagem da parada de Sete de Setembro (R$ 816 mil) ou que os de um contrato anual do Planalto para servir refeições nos aviões presidenciais (R$ 985 mil).

O governo vem destinando menos dinheiro para o conjunto de museus sob sua responsabilidade. O Ibram —que tem 25 sob seu guarda-chuva— recebeu R$ 152 milhões em 2013 (valores já corrigidos pela inflação), ante R$ 138 milhões no ano passado. Mas a queda foi de 10%, menor do que a verificada nesse mesmo período nas contas do museu do Rio.

A UFRJ, que administra a instituição, reduziu de R$ 709 mil, em 2013, para R$ 166 mil, em 2017, o desembolso com o funcionamento do museu, segundo o levantamento da Câmara.

O valor destinado às bolsas de estudo também minguou. Passou de R$ 446 mil naquele ano para R$ 163 mil. Todos os valores passados mencionados foram corrigidos pela inflação.

Gastos importantes, como os de pessoal, não aparecem discriminados nas tabelas do Siafi, pois os funcionários do Museu Nacional estão vinculados à folha de pagamentos da UFRJ, explicou a Comissão de Orçamento.

Sem recursos para manutenção

O pró-reitor de Planejamento e Finanças da UFRJ, Roberto Gambine, disse na tarde desta segunda (3) que a universidade não tem recursos suficientes para fazer a manutenção de seus 15 prédios tombados no Rio.

Ele diz temer que o destino dos demais edifícios seja o mesmo do Museu Nacional. 

Segundo o pró-reitor, o orçamento da UFRJ vem caindo ano a ano e a universidade não recebe verbas extras para a manutenção dessas unidades históricas. 

Gambine informou que o orçamento da UFRJ em 2016 foi de R$ 450 milhões. No ano seguinte, caiu para R$ 420 milhões. Neste ano, o orçamento foi fixado em R$ 388 milhões e a previsão para o ano que vem é de R$ 364 milhões.

"Esse orçamento, que cai ano a ano, estrangula a universidade e coloca em risco a preservação dos nossos 15 prédios tombados. O país não vai aguentar muito tempo com esse teto de gastos imposto pelo governo de Michel Temer", disse ele.

Especificamente sobre o Museu Nacional, Gambine explicou que os gastos com pessoal, terceirizados e bolsas de pesquisa entram no orçamento geral da UFRJ.

Uma outra parte do orçamento da universidade é dividida por seus diversos setores. A divisão é feita com base em determinados critérios, como tamanho do campus, quantidade de alunos, de funcionários e de bolsas de pesquisa. Essa divisão, explicou Gambine, é feita com base em uma matriz fixa desenvolvida há dez anos.

Como a realidade orçamentária da universidade é outra, haveria a necessidade de se mudar esses percentuais a fim de garantir mais verbas para prédios históricos, como o Museu Nacional, o prédio da Escola de Música, na Lapa, e do Ifics (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais), no centro do Rio. 

Em São Paulo, a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, deu outra versão sobre a falta de verbas da UFRJ. Segundo ela, entre 2015 e 2017, o orçamento da universidade aumentou 15% em termos nominais (sem levar em conta a inflação). 

"Importante dizer que temos que enfatizar a discussão sobre prioridades de gastos e de melhorias no processo de discussão de alocação de recursos públicos, que todos sabemos são finitos", afirmou Vescovi.

Ela afirmou que, em 2019, o orçamento do MEC aumentará em cerca de R$ 10 bilhões, para R$ 122 bilhões, e que a regra fiscal que limita o aumento das despesas à inflação protege a educação.

"Temos uma situação ímpar, onde saúde e educação são áreas protegidas constitucionalmente, que têm garantida de aplicação mínima constitucional da regra do teto de gastos", afirmou. "Temos que fazer a discussão sobre alocação de recursos, prioridades e também sobre possíveis espaços para parcerias com o setor privado".

Procurado, o MEC ainda não se pronunciou.

Um estudo recente estimou gasto de R$ 120 milhões na reforma e restauração total do prédio do Museu Nacional. A obra incluiria reforma das escadarias do prédio e outros locais com problemas, por exemplo, de infiltração nas paredes e teto. 

A reitoria tentava buscar um plano para tocar o projeto, mas como o valor era quase um terço do orçamento estimado para 2019, havia pouca esperança de que o restauro nos padrões pretendidos iria adiante. Pelos cálculos do pró-reitor, o ideal seria que o orçamento da universidade fosse em torno de R$ 510 milhões. 

"Aí teríamos dinheiro para manter todo esse patrimônio tombado que não recebemos um real a mais para preservar". Gambine afirma que teme pela conservação de outros prédios tombados, como o Hospital Universitário São Francisco de Assis, na Cidade Nova, centro do Rio. A estrutura é datada de 1876 e funcionou parcialmente nos anos 2000. Atualmente o hospital estaria sem realizar atendimentos. 

Em outubro de 2016, o prédio da reitoria da UFRJ também pegou fogo. O prédio, localizado na Ilha do Fundão, zona norte do Rio, também era tombado pelo patrimônio histórico  

Procuradoria aponta lei do teto e loteamento político

O Ministério Público Federal afirmou nesta segunda que a lei do teto de gastos e o loteamento político agravam a situação do patrimônio histórico brasileiro. A Procuradoria informou que requisitou a instauração de inquérito policial para apurar as causas do incêndio no Museu Nacional. 

A nota, assinada pelo Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural e a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultura do Ministério Público, diz que o congelamento dos orçamentos dos órgãos públicos "já consumia o Museu Nacional" e foi agravado pela Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto dos gastos, em 2016.

"Que essa tragédia desperte a urgência de preservar a memória", afirmou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Segundo o texto, a reconstrução do palacete onde funcionava o museu preservará apenas as características arquitetônicas, "mas jamais os tesouros que compunham seu acervo".

"O loteamento político de cargos de gestão da cultura, sem a necessária qualificação técnica, inviabiliza as possibilidades de sucesso nos projetos nacionais, regionais e locais", prossegue a Procuradoria, que criticou a demora na publicação de normas para o combate a incêndio em bens do patrimônio histórico, discutidas em junho de 2016.

"Infelizmente, passado mais de um ano do evento, as instituições públicas federais responsáveis não publicaram a referida norma, padronização mínima para a atuação dos bombeiros e outras instituições em todo o Brasil, o que impossibilitou, até o momento, uma ação nacional."

Deficiências na segurança

O Museu Nacional já apresentava há quatro anos deficiências na segurança contra incêndios. Numa fiscalização feita em 15 de setembro de 2014, o Ministério da Transparência e a Controladoria-Geral da União (CGU) constatou que a instituição não tinha laudo atualizado de vistoria do Corpo de Bombeiros.

Na ocasião, o órgão questionou a direção do museu sobre a falha, que deu a seguinte explicação: “Segundo nosso chefe de segurança, por ser um prédio tombado, que não pode receber todos os equipamentos indicados pelo Corpo de Bombeiros, essa vistoria não é feita por eles”.

Segundo o museu, havia naquele ano 223 extintores e detectores de fumaça no prédio. “No momento estamos em licitação para contratação de brigada de incêndio.”

A CGU concluiu que a visita dos bombeiros e a emissão do laudo seria medida importante para garantir a segurança e a preservação das instalações. “O acompanhamento desta situação deve ser sistemático”, observou o órgão.

No mês seguinte à fiscalização, o museu informou à CGU que uma parceria havia sido firmada entre o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) e o Corpo de Bombeiros do Rio para a realização de uma visita técnica com “orientações” e que a direção estava “no aguardo” desse procedimento. A Folha não localizou representantes do museu para explicar que providências foram tomadas sobre o laudo.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado, a CGU fiscalizou em 2014 o Museu Histórico Nacional, e não o Museu Nacional. Ambos ficam no Rio, mas são instituições diferentes

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