Descrição de chapéu Obituário Antonio Roberto Espinosa (1946 - 2018)

Mortes: Espinosa foi sobrevivente na luta por causas sociais

Torturado na ditadura, construiu carreira respeitada como professor universitário

Paulo Gomes
São Paulo

Espinosa acendeu um cigarro na ambulância, a caminho do hospital. Tinha infartado. "Vão me proibir de fumar mesmo", justificou aos paramédicos, atônitos. A anedota ocorreu há cerca de 25 anos, e a receita foi sim, que deixasse o cigarro, e que diminuísse a bebida e o trabalho.

Nunca mais fumou, e bebeu menos. Mas o trabalho não teve jeito. Espinosa tinha a compulsão de deixar uma marca no mundo, torná-lo um lugar mais parecido com as suas crenças. E sempre soube que isso exigiria sacrifícios.

Um dos cinco filhos de um casal proletário de Osasco, na Grande São Paulo, começou a se engajar socialmente ainda no colégio, frequentando movimentos estudantis.

Não tardou para que se envolvesse em grupos contra a ditadura militar. Em 1969, era comandante do VAR-Palmares, de extrema esquerda. No dia 21 de novembro, a polícia bateu à porta do esconderijo em que vivia no Rio com a companheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos e o colega Chael Charles Schreier.

Espinosa preferia morrer a ser preso. Andava com cianureto. Por azar, ou sorte, o veneno se perdeu no confronto. Ficou quatro anos preso.

A luta armada e a prisão fizeram com que largasse os estudos em filosofia na USP. Solto, trabalhou um período como jornalista, quando chegou a ter um diário em Osasco, e mudou de rumo novamente após os 50, quando decidiu concluir o curso.

Engatou um mestrado em ciência política —tão qualificado que logo se converteu em doutorado. Nos anos recentes, dava aula de relações internacionais na Unifesp.

A filha Júlia diz que os alunos achavam seu pai tão brilhante que tinham inveja. "Imagino as conversas que vocês têm no jantar", disse um rapaz. "O tema do almoço no dia seguinte foi pum", lembra Júlia.

Aquele grupo de 1969 sofreu traumas físicos e psicológicos indeléveis. Chael morreu após algumas horas de espancamento. Dôra cometeu suicídio no exílio, na década de 1970. Espinosa foi um sobrevivente.

Viveu quase 50 anos mais, passando pelo infarto. Morreu aos 72, no último dia 25, em decorrência de um câncer de pulmão. Deixa as filhas Júlia e Luíse, e os irmãos Osmar Luiz e Eber Bauer.


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