Cenas rotineiras de criminosos ostentando fuzis em comunidades, uma média de 18 tiroteios por dia e ao menos um terço dos moradores da capital traumatizados com a experiência de estar no meio do fogo cruzado entre bandidos e policiais.
No Rio de Janeiro, onde um dos principais gargalos da segurança é a alta circulação de armas pesadas e seus consequentes confrontos, os dois candidatos ao governo do estado apresentam propostas genéricas e insuficientes para lidar com essa questão, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha.
Tanto o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) quanto o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) propõem em seus planos de gestão uma cooperação com órgãos federais nas investigações, o que é considerado uma diretriz correta, mas não detalham as ações.
Questionada, a campanha de Witzel, à frente nas pesquisas, diz que a parceria com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal se dará “especialmente atacando a lavagem de dinheiro que financia essas operações criminosas”. O candidato cita, porém, apenas as armas ilegais.
“Isso é importante, mas também é preciso atacar os focos de desvios e roubos de armas das próprias forças de segurança, que são muito comuns”, diz Michele dos Ramos, pesquisadora do Instituto Igarapé, especializado em segurança pública.
Já Paes promete a implantação de um “programa de Controle de Armas e Munições”, com um “moderno sistema de informações de balística e de monitoramento, integrado a sistemas de outros estados e do governo federal”.
A socióloga Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas no tema, destaca a importância de alimentar um sistema que já existe, o chamado Sinarm. Só 1% das armas apreendidas no RJ no ano passado foram cadastradas ali, ante 5% no país.
“Isso depende basicamente de a Polícia Civil alimentar o sistema, mandando para a Polícia Federal”, diz. “Muitos dos problemas hoje poderiam ser resolvidos com uma integração mínima de trabalho, mas não tratamos dessas dificuldades concretas do cotidiano.”
Para a pesquisadora, o forte poder bélico do crime no RJ também está intimamente ligado à corrupção nas polícias e às milícias, o que demandaria uma reforma das corporações. Isso, no entanto, esbarra em uma das principais propostas de Witzel: a extinção da Secretaria Estadual da Segurança Pública.
Com o objetivo de “desburocratizar” e “despolitizar” o setor, ele quer dar às polícias militar e civil o status de secretarias e subordiná-las diretamente ao governador, o que é visto com preocupação por pesquisadores da área.
Entre as críticas estão os fatos de que o fim da pasta vai de encontro ao princípio do próprio candidato de integração das duas corporações, de que não é possível despolitizar a segurança porque ela é baseada em políticas públicas e de que isso “puxaria” policiais para funções de gestão e os tiraria de suas atividades fim.
Outra promessa criticada, de ambos os candidatos, é a tentativa de negociar com o governo federal para que as Forças Armadas continuem atuando nas ruas do estado, que acontece desde julho de 2017 através de um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) de Michel Temer (MDB).
A medida, que vai até dezembro deste ano e pode ser prorrogada, também é considerada equivocada por estudiosos porque, apesar dos gastos, não conseguiu reduzir a violência. O apoio da população da capital à presença do Exército vem caindo, mas ainda é majoritário (66% a aprovam, ante 83% há um ano).
A GLO ocorre paralelamente à intervenção federal, um outro decreto que significa que as polícias, bombeiros e prisões estão sob responsabilidade da União também até dezembro —esse já foi sinalizado pelos militares que não há chance de renovação.
O próximo governador terá que enfrentar a transição para retomar o controle da segurança pública do estado, assunto que nenhum deles cita em seus programas.
Um dos pontos mais polêmicos é a questão das mortes por policiais. Witzel propõe a “autorização para abate de criminosos” portando armas pesadas. “Essa proposta é uma violência a todos os avanços que fizemos desde 1988”, diz o cientista político João Trajano Sento-Sé, da Uerj (Universidade Estadual do RJ).
“Isso é demagogia pura, uma proposta eleitoreira, porque na prática isso já é implementado no Rio”, afirma Samira Bueno. O Ministério Público arquivou 99% dos autos de resistência (mortes por policiais em confronto) no estado de 2001 a 2011, segundo um estudo da UFRJ (federal do RJ).
Já Eduardo Paes fala em “reduzir mortes causadas por confrontos armados” com planejamento e inteligência, mas, contraditoriamente, assim como Witzel, tem tentado se aproximar do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), que defende a não punição de policiais nessa situação.
Para João Trajano, os fluminenses estão diante de dois programas genéricos que não trazem expectativas para a melhora da violência no Rio. Uma proposta “reacionária”, de Witzel, e uma “conservadora”, de Eduardo Paes.
“Dá a impressão de que o Witzel desenhou o projeto para os policiais, com uma percepção de poder público de 60 anos atrás. Isso faz o plano do Paes parecer sofisticado, mas não é, ele só tem debaixo do braço um conjunto de propostas de outros programas”, diz o cientista político.
Veja as propostas dos candidatos ao governo do RJ para a segurança pública:
Crime organizado
Eduardo Paes (DEM) Instituir uma força-tarefa, com Polícia Civil, Receita Federal, Ministério Público, Judiciário etc.
Wilson Witzel (PSC) Instituir “novo modelo” de investigação, baseado nas forças-tarefas e com foco na lavagem de dinheiro
Gestão da segurança
Paes Estabelecer planejamento, com metas e projetos, formando parcerias com outros órgãos e sociedade
Witzel Extinguir a Secretaria de Segurança, vinculando as polícias Civil e Militar diretamente ao governador
Mortes por policiais
Paes Reduzir mortes causadas por confrontos armados com planejamento e uso de inteligência
Witzel Autorizar “abate de criminosos” portando armas de uso exclusivo das Forças Armadas
Roubos
Paes Reduzir roubos de carga e de veículo, implantando câmeras no principais corredores viários
Witzel Implantar câmeras em comércios e outros locais, com reconhecimento facial e de placa de carro*
Armas
Paes Implantar programa de controle de armas e munições, integrado a estados e União
Witzel Trabalhar junto com policiais federais para impedir a entrada de drogas e armas ilegais no estado
Condições de trabalho de policiais
Paes Implantar novo modelo de patrulhamento, aumentar o efetivo nas ruas, e rever processos internos, como formação básica e capacitação
Witzel Dar equipamentos individuais para cada policial, criar a Universidade da Polícia, regulamentar escalas de trabalho e revisar salários e cargos
Investigação
Paes Adotar sistema único de registro de ocorrências e realizar controle de inquéritos concluídos, mandados cumpridos e prisões realizadas
Witzel Reaparelhar polícia investigativa, criar Central de Inteligência dentro da Polícia Civil e formar força-tarefa para apurar mortes de policiais
Presença do Exército
Paes Pedir à União que militares continuem atuando no estado, sob comando do governador
Witzel Pedir à União que militares continuem atuando no estado*
UPPs
Paes Manter o projeto onde ele estiver funcionando*
Witzel Extinguir o projeto e voltar às rondas comuns*
Sistema prisional
Paes Ampliar as vagas, separar os presos adequadamente e garantir seu isolamento
Wiztel Fazer parcerias público-privadas para construir e gerir presídios, com foco em trabalho e estudo para o preso
Corrupção policial
Paes Estabelecer um sistema de corregedoria independente, ligado ao governador
Witzel Cobrar que a Corregedoria aja de forma firme contra policiais corruptos
Violência contra mulheres
Paes Implantar programa de proteção a mulheres, pessoas LGBTs, negros e religiosos
Witzel Reforçar prevenção e assistência a mulheres e LGBTs e ampliar rede de Delegacias da Mulher
Prevenção da violência
Paes Implantar programa para jovens entre 14 e 29 anos, com bolsas e capacitação
Witzel Não cita ações no capítulo sobre segurança
Comandos regionais
Paes Criar os Centros de Operações Policiais (COP) em cada região para integrar patrulhamento e investigação
Witzel Criar os Distritos Policiais, com comando integrado e alternado de oficiais da PM e delegados
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