O papel de monitorar barragens no país cabe, na prática, a empresas contratadas pelas mineradoras, responsáveis por emitir laudos que atestem a segurança das estruturas. Pela imparcialidade, entre outros empecilhos, o automonitoramento da atividade mineradora é alvo de críticas por parte de ambientalistas.
A barragem 1 da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), passou por avaliações feitas por uma empresa contratada pela Vale, conforme prevê a legislação, o que não impediu que a estrutura se rompesse há 15 dias, deixando, até agora, 157 mortos e 182 desaparecidos.
Uma vez finalizados os laudos emitidos por essas terceirizadas, os órgão estaduais de fiscalização ambiental têm atuação quase nula.
Em Minas Gerais, por exemplo, o Tribunal de Contas do estado viu, em 2017, que a Semad (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de MG) faz em média uma fiscalização para cada processo aprovado.
A Corte de Contas apontou que relatórios técnicos e fotográficos contratados pelas mineradoras para atestar a segurança de suas atividades ficam armazenados e não são analisados, o que torna a operação de segurança insuficiente.
Na ocasião, ao ser questionada pelo tribunal, mais de um ano após o rompimento da barragem de Mariana (que deixou 19 mortos e poluiu o rio Doce), a Semad reconheceu a deficiência na fiscalização e atribuiu o desconhecimento das condições de segurança dos empreendimentos ao reduzido efetivo de funcionários capacitados.
"Caso o empreendedor atue de má fé, conseguirá burlar os resultados apresentados", admitiu a secretaria.
Para sanar essas deficiências, a Semad sugeriu a assinatura de convênios com universidades, já que a secretaria não dispõe de laboratório próprio para avaliar os relatórios de automonitoramento fornecidos pelas mineradoras.
Em 2016, a ANM (Agência Nacional de Mineração), à época DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), vistoriou 220 barragens em Minas Gerais.
No caso da barragem 1 do Córrego do Feijão, o governo federal havia encontrado uma série de problemas no talude de jusante, a parte externa da barragem. Entre eles, havia poças de água, possível erosão e buracos que indicavam a presença de animais.
A vistoria, de 2016, também mostrou que a barragem não tinha plano de emergência, profissional responsável pela segurança da estrutura, manuais de procedimento de inspeção, monitoramento e operação nem emitia relatórios de inspeção e monitoramento feitos a partir de instrumentos de segurança.
A Folha questionou a ANM sobre que medidas o governo federal tomou depois que as constatações foram feitas, mas a agência não respondeu.
O próprio diretor da agência, Eduardo Leão, admitiu à Folha no começo da semana que o órgão não tem capacidade para fiscalizar as 740 barragens de mineração do país.
O total de servidores caiu de 1.140 em 2010 para 820 em 2018. Neste ano, 300 funcionários entram em condições de se aposentar, segundo ele.
A Lei de Segurança de Barragens, de 2010, atribui à mineradora a função de "prover os recursos necessários à garantia da segurança", mas diz que cabe ao órgão fiscalizador exigir do dono da barragem "o cumprimento das recomendações contidas nos relatórios de inspeção e revisão periódica de segurança."
O automonitoramento também ocorre em outros países. É o caso do Canadá, onde a Vale mantém operações em larga escala. No estado da Colúmbia Britânica, também há a exigência de que a mineradora contrate uma empresa independente para atestar a estabilidade da barragem, mas esses dados são fiscalizados pelo poder público.
As regras no país foram reforçadas desde o rompimento da barragem de Mount Polley, em 2014, que despejou 24 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração de cobre, ouro e prata.
O mesmo ocorre na Austrália, uma das maiores mineradoras de ferro do mundo, que é considerada referência justamente pela fiscalização de suas estruturas.
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