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Projeto transforma praça Roosevelt em divã para psicanálise de graça

Todos os sábados, psicanalistas atendem quem passa pelo local em cadeiras coloridas

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Todos os sábados, um grupo de psicanalistas se reúne na Praça Roosevelt para atender pacientes gratuitamente. - Adriano Vizoni/Folhapress
São Paulo | Agora

Desde junho de 2017, cadeirinhas coloridas de praia na praça Franklin Roosevelt (centro) são transformadas em divãs. O Coletivo Psicanálise na praça Roosevelt é um projeto sem fins lucrativos tocado por 17 profissionais que, aos sábados, entre as 11h e as 15h, atendem de forma gratuita todos que passarem pelo local.

Na dinâmica, basta o interessado pelo atendimento se aproximar, colocar o nome em um caderninho e esperar ser chamado. Em média, são de 20 a 30 atendimentos.

“Não é um projeto voluntário. É um projeto sustentado pelo desejo de levar a psicanálise a quem não tem acesso”, afirma uma das profissionais do coletivo, Ana Beatriz Vasconcelos. “Mas é importante que seja uma relação horizontal entre as partes”, diz.

Os profissionais contam com a ajuda de moradores do entorno da praça. Um deles, por exemplo guarda as cadeiras no prédio que fica em frente à marquise de madeira onde os profissionais atendem.

Quando está frio ou chovendo, é dentro do Espaço Parlapatões, na praça mesmo, que os psicanalistas e pacientes fazem a dinâmica. O psicanalista Augusto Ribeiro Coaracy Neto conta que, apesar do auxílio de gente que ele chama de “almas gentis”, há quem não aprove o projeto.

“O desafio às vezes é lidar com quem se acha síndico da praça. Eles tentam regulamentar nossa atuação”, diz. “Há um interesse de impedir a boêmia ou movimentos libertários na praça.” 

Em meio às sessões de psicanálise, passam pela praça cachorros, skatistas, pessoas de bicicleta ou pais e filhos que brincam de chutar bola, sem interferir no trabalho. Moradores de rua, também são atendidos quando procuram os profissionais.

O estudante André Castilho, 23 anos, de Presidente Prudente (558 km de SP), frequenta as sessões desde o início, quando viaja à capital paulista em feriados ou nas férias para visitar parentes que moram na cidade.

“A psicanálise ajuda a conhecer mais a mim mesmo, a refletir sobre meus pensamentos e saber como canalizá-los”, afirma o jovem, que no último dia 26 de janeiro levou um amigo para conhecer o projeto. “Aqui na Roosevelt é interessante, pois sempre tem um psicanalista diferente”, afirma.

Sol faz duplas trocarem de lugar 

Assim como a maioria das pessoas em busca de psicanálise na praça Roosevelt, Elliott Ludovic Miranda, 23 anos, que está desempregado, soube do atendimento gratuito pelas redes sociais. “Como moro aqui na região central, vim conferir”, diz.

Miranda foi ao projeto pela primeira vez no último dia 26 de janeiro. E estava ansioso para conversar com um dos psicanalistas. “Tomo remédio antidepressivo e quero falar o tempo todo”, disse.

Para ele, poder conversar com alguém e dizer o que lhe afligia foi uma maneira boa e diferente de começar aquele fim de semana. “Chama a atenção pelo fato de ser de graça”, afirma. “E é bom porque a sessão é realizada na praça, você não se sente num lugar fechado, entre paredes”, disse.

Mas o atendimento ao ar livre também tem suas dificuldades. Miranda e o psicanalista foram obrigados a mudar de lugar por causa do sol forte no meio da sessão, o que também ocorreu com outros pacientes.
“Estou me sentindo bem mais leve agora”, afirmou Miranda no fim dos 20 minutos de atendimento.

As pessoas podem se aproximar da roda dos psicanalistas, perguntar se alguém pode atendê-las e seguir para a consulta, - Adriano Vizoni/Folhapress

Espaço aberto atrai psicóloga ao projeto

Uma psicóloga de 35 anos, que pediu para não ter seu nome identificado, frequenta as sessões de psicanálise promovidas pelo coletivo na praça Roosevelt praticamente todos os sábados. Ela ficou sabendo da novidade pelo Facebook, há cerca de três meses, após receber um compartilhamento.

“Venho com bastante frequência, pois os psicanalistas estão me ajudando a tratar algumas questões que tenho”, afirmou. “O trabalho é muito bom, confio nele. Por ser um projeto aberto ao público e ao ar livre é mais legal ainda”, disse.

De acordo com ela, já deu para perceber uma melhora mental após as conversas com os profissionais.
A satisfação é tanta, que ela tem buscado convencer amigos a participarem das sessões na praça.
De acordo com o psicanalista e integrante do coletivo Augusto Ribeiro Coaracy Neto, é possível ver que o trabalho com a psicóloga esteja dando certo.

“A satisfação do público com o trabalho nós vemos por meio do retorno que as pessoas dão. Muitos estão com a gente desde o primeiro dia, em junho de 2017. Não voltam necessariamente todo sábado, às vezes dão uma sumida, mas acabam voltando”, afirma.

Conversa pode ser 1º passo para tratamento

O psiquiatra Emmanuel Fortes, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, disse que todo gesto humanitário é bem-vindo e que não vê problema no ato de profissionais sentarem e orientarem pessoas.
“Talvez seja um gesto de acolhida, uma conversa para saber o que essa pessoa precisa e, a partir daí, procurar um ambiente adequado.”

Porém, ele ressaltou que uma consulta médica, com psiquiatra, envolve ritual que em uma praça é difícil de ser seguido. O sigilo da consulta, diz não pode ser garantido, pois não há privacidade.

Segundo especialista, psicanálise é um método psicoterapêutico que somente psicólogos e psiquiatras com formação específica em psicanálise podem aplicar o método. - Adriano Vizoni/Folhapress

As outras partes do ritual da consulta são a continuidade do tratamento, o prontuário com os dados do paciente e a prescrição de medicamentos. Segundo ele, esse atendimento, com privacidade e sigilo, não é possível em uma praça.

Fortes explicou que psicanálise é um método psicoterapêutico no qual se explora as motivações inconscientes do comportamento do ser humano. Somente psicólogos e psiquiatras com formação específica em psicanálise podem aplicar o método.

Além da psicanálise, existem outros métodos de psicoterapias, como as de base analítica, cognitiva comportamental, gestalt e psicodrama, por exemplo.

Para o coletivo Psicanálise na praça Roosevelt, o fato de os atendimentos não terem como precondição o pagamento em dinheiro não os torna gratuitos. "É um projeto sustentado pelo desejo de levar a psicanálise a quem não tem acesso o que não quer dizer 'gratuidade'".

O grupo responsável pela iniciativa ressaltou ainda que a praça é um local adequado para a realização dos trabalhos porque o que importa é a escuta. "O que deve ser 'adequado' é a escuta do profissional, isto é, a sua posição ética diante do outro", segundo trecho de comunicado.

"Não há qualquer fundamentação teórica ou clínica no campo da saúde mental que qualifique settings abertos como sendo menos eficazes", destacou o coletivo.

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