Descrição de chapéu Alalaô

De Esfarrapado a empresas, blocos de SP transformaram o Carnaval

Conheça a história de alguns dos mais importantes grupos da folia paulistana

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Academicos do Baixo Augusta com os blocos Forrozin e o Cordão Carnavalesco Confraria do Pasmado. Danilo Verpa/Folhapress,

Aline Pellegrini
São Paulo

Sentados na porta do antigo Cine Rex, no cruzamento das ruas Rui Barbosa e Conselheiro Carrão, os amigos Armando Puglisi, Walter Taverna, Tinin, Capuno e Carabina, decidiram montar um bloco carnavalesco. Era 17 de fevereiro de 1947 quando as fantasias improvisadas dos foliões, feitas com retalhos e roupas velhas, batizaram o bloco que nascia ali, o Esfarrapado. Sem instrumentos, saíram batendo latas, frigideiras, penicos.

O Esfarrapado é o mais antigo bloco da cidade e substituiu as latas pela bateria da Vai-Vai, passando dos não mais que 500 foliões em sua primeira saída a 80 mil pessoas na última segunda-feira de Carnaval, em 2018.

Esse boom de público que atualmente opta por pular o Carnaval em São Paulo pareceria uma utopia aos foliões de poucos anos atrás.

"Em 2005, não tinha nada aberto. As padarias e os bares fechavam. Não tinha preocupação do poder público, não tinha restrição de horário aos blocos e alguns voltavam de madrugada.

Estranhavam quando falei que comecei a ficar em São Paulo", disse Pedro Gonçalves Janequine, um dos criadores do Bloco Bastardo, para quem o constante aumento de grupos nas ruas também diluiu o público de alguns blocos e consolidou uma participação cativa —entre eles o próprio Bastardo, que teve 8.000 pessoas em seus primeiros desfiles, em 2014, e cerca de 10 mil em seus quatro cortejos de 2018.

O aumento do público está atrelado ao surgimento de novos blocos de rua que irão desfilar na cidade. São 137 a mais na agenda oficial do evento em comparação com 2018 (há ainda os grupos que optaram por não se cadastrar, mas que mesmo assim somarão nas ruas).

Esse crescimento integra um processo que é visível há pelo menos cinco anos, quando a Prefeitura de São Paulo publicou pela primeira vez um decreto sobre o Carnaval de rua e passou a realizar o cadastro de blocos.

Na contramão desse fenômeno, um pequeno número de blocos escolheu se recolher. É o caso do Soviético, criado em 2013, que entoava animadas paródias de marchinhas contra o capitalismo.

"Um desfile do nosso bloco a partir de agora, mesmo que clandestinamente, acabaria atraindo atenções sem espírito carnavalesco, colocando em risco físico integrantes e foliões, o que seria uma temeridade e, no limite, uma irresponsabilidade", informaram os organizadores em sua página no Facebook.

Entre os 570 grupos de rua na agenda da prefeitura há diversidade de formatos e estrutura —dos que contam com trio elétrico aos que saem com a banda misturada ao público.

Os repertórios também são múltiplos —vão desde as clássicas marchinhas, ou blocos que fazem homenagem a um único músico, até os que entoam música pop e funks atuais.

Para Rodrigo Guima, um dos fundadores do Tarado Ni Você (que homenageia Caetano Veloso), a diversidade também está no público.

"A grande diferença é que aqui a gente é uma selva de pedra cinza. Nós não temos o pôr do sol lindo com mar, como o Farol da Barra, de Salvador, como o Rio de Janeiro, mas a gente tem as pessoas, que se transformam na fauna e na flora da cidade".

ORGANIZAÇÃO

Se para os foliões o planejamento para o Carnaval se resume aos primeiros meses do ano, para os blocos ele pode começar no dia seguinte ao desfile, como fazem o Casa Comigo e o Cordão Folclórico de Itaquera Sucatas Ambulantes. Ou até com anos de antecedência.

Em 2018 o Kolombolo Diá Piratininga, que privilegia a exposição de novos compositores e o resgate do samba paulista, escolheu o tema das marchinhas até 2020.

A intensificação da procura pelo Carnaval paulista foi um estopim para que muitos blocos se profissionalizassem. Em 2014, o Casa Comigo se estruturou como empresa e atualmente conta com uma equipe de 20 pessoas que trabalham o ano inteiro e 300 que reforçam o grupo na época do Carnaval.

Além disso, os blocos também abrem espaço para a formação de músicos, promovendo oficinas durante o ano, como as de sopro da Charanga do França e as de percussão do Ilú Obá De Min.

Para a maioria dos blocos, que não conta com patrocínio, é um desafio custear a estrutura e a organização da saída no Carnaval, levando em conta aluguel de carros de som, banheiro químico, interdição da CET e ensaios durante o ano todo.

Com 72 anos ininterruptos de história, o Esfarrapado até hoje não depende da exposição de marcas para custear suas saídas: quem banca o bloco são os comerciantes vizinhos, frequentadores e organizadores, esquema parecido com o do Agora Vai, custeado por amigos e organizadores do grupo.

Para Jefferson Cristino, criador do Cordão Folclórico de Itaquera Sucatas Ambulantes, que começou a partir de uma pesquisa com bonecões feitos de sucata, alguns blocos não nascem apenas para o Carnaval.

"Nosso objetivo é dar voz pra nós que somos da periferia e artistas de qualquer lugar que trabalham com a linguagem popular. O Carnaval é uma manifestação artística para extravasar e ter momentos de alegria, mas é também como sugere aquela música do Candeia: 'Deixa de ser rei só na folia'.

Às vezes é o que resta, a gente pode ser rei só no dia da folia, mas a gente entende também que o Carnaval é um disparador pra gente discutir que todos nós podemos ser reis, rainhas, o ano inteiro, independente das condições."

Botando o bloco na rua

História dos blocos paulistanos é anterior a cadastro da prefeitura

1947 - Bloco Esfarrapado sai no Bixiga e recebe o nome pelas fantasias improvisadas dos foliões, muitas vezes com sátira política, que eram feitas com retalhos ou peças de roupas velhas

1955 - Durante a saída do Esfarrapado, Armandinho, um dos fundadores, é preso pelo Dops em razão de uma alegoria que a fantasia de Capuno fazia com o então presidente Juscelino Kubitschek. A comunidade toda fica em volta do camburão e ele é solto. Seria a primeira prisão de Armandinho no bloco

1974 - A Banda Redonda, formada por remanescentes da Bandalha, criada em 1972 pelo escritor Plínio Marcos e pelo bilheteiro, contrarregra e ator Carlos Costa, desfila pela primeira vez no centro da cidade

2002 - Chamado de Mocambo Paulistano, que significa resistência, o grêmio recreativo de resistência cultural Kolombolo Diá Piratininga -nome que viria a adotar a partir de 2004- faz seu primeiro cortejo em homenagem ao samba da cidade

2004 - O Agora Vai realiza sua primeira saída após pesquisa da Cia. São Jorge de Variedades, composta de integrantes do bloco, gerar um manifesto em homenagem a Dionísio Barbosa, líder negro de 1914 e fundador do Cordão da Barra Funda, considerado o primeiro da cidade

 - O Ilú Obá De Min estreia seu primeiro carnaval ópera, com canções regidas pela percussão, que é executada exclusivamente por mulheres. O bloco também conta com dançarinas, cantoras e pernaltas que representam orixás africanos

2007 - O Bloco do Pavão Encantado, que viria a se tornar o Cordão Folclórico de Itaquera Sucatas Ambulantes, desfila pela primeira vez entoando samba de bumbo e com bonecão produzido com sucata pela comunidade

2009 - Empresários e moradores do centro fundam o Bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, que chegou a reunir cerca de 1 milhão de pessoas no centro de São Paulo em 2018

2010 - Em um sábado chuvoso, o Urubó faz seu primeiro percurso na zona norte. Saldo: um folião acompanhando os músicos. Público cresce vertiginosamente nos anos seguintes do bloco, chegando a mais de 25 mil pessoas em 2018

2012 - Estrutura inexistente, boicotes e repressão motivam grupo composto de membros de cordões e blocos paulistanos a publicar o Manifesto Carnavalista. O texto continha entre suas reivindicações a valorização e afirmação da tradição cultural paulistana, o direito à alegria e à folia

- Proibições que assolavam o carnaval paulistano impediram a saída do bloco Baixo Augusta, que só consegue se apresentar em um estacionamento entre as ruas Augusta e Dona Antônia de Queiroz

2013 - Juca Ferreira, então secretário de cultura de São Paulo, se reúne com os representantes do grupo que lançou o Manifesto Carnavalista. Prefeitura se compromete a apoiar os desfiles dos blocos independentes

- Um carrinho de feira e um aparelho de som executando canções políticas bem-humoradas levam o Bloco Soviético pra rua

 - Formado por ex-integrantes do Vai Quem Qué, o Bloco Bastardo faz seu cortejo inaugural com cerca de 8 mil foliões

- Bloco Casa Comigo sai na Vila Beatriz, na zona oeste, com cerca de 500 pessoas, mas cresce é realocado pela Prefeitura em 2015 para a av. Brigadeiro Faria Lima. Em 2018 receberam cerca de 1 milhão de foliões

- Apresentações no pré e no pós-carnaval são em maior número na cidade do que durante o Carnaval, dando à luz grupos como a Espetacular Charanga do França

2014 Prefeitura publica decreto que autoriza o carnaval de rua, proíbe a exigência de abadás e cordas que separam o trio elétrico do público e faz o cadastro de blocos. Foram 210 inscritos.

-Em ensaio aberto antes da sua primeira saída oficial, o Tarado Ni Você pausa a festa que fazia na Lapa para não atrapalhar o padre que rezava a missa em uma paróquia em frente ao local onde o bloco estava. Terminada a missa, a festa prosseguiu

- Nasce o Ritaleena com a proposta de fazer um rockarnaval em homenagem à Rita Lee; estimaram que a primeira saída teria 200 pessoas, apareceram 5 mil

2015 - O bloco da Espetacular Charanga do França sai pela primeira vez durante o Carnaval com uma expectativa de receber cerca de 300 pessoas, mas 2.000 acompanham o cortejo

2016 - 355 blocos se inscrevem pela Prefeitura, mas 306 desfilam. Cerca de 1 milhão de foliões ocupam as ruas durante o Carnaval

2017 - Cerca de 2,5 milhões de pessoas participam dos 391 blocos paulistanos

2018 - Blocos e público voltam a crescer: são 433 acompanhados de 3 milhões de foliões

2019 - Número de blocos inscritos na Prefeitura de São Paulo cresce mais de 30%: são 570 que integram a agenda. Estimativa prevê também crescimento de público, quase 70% -cerca 5 milhões de pessoas devem acompanhar os blocos  

- Temendo violência contra integrantes da organização e foliões, Bloco Soviético anuncia o encerramento de sua participação no Carnaval em sua página no Facebook, sob protestos dos seguidores; seu último cortejo, em 2017, reuniu cerca de 20 mil pessoas

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