Temas como armas não passam por conselho que teve nomeação revogada

Moro voltou atrás em convite a especialista em segurança após pressão do presidente e de redes

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Brasília

Apesar de a oposição à nomeação de Ilona Szabó estar ancorada em divergências sobre redução de maioridade penal, acesso a armas ou pacote anticrime, não cabe ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária a análise de nenhum desses temas.

Além de não ser um órgão deliberativo, quase toda a atenção do conselho é direcionada à questão prisional.

Especialista em segurança pública, Szabó havia sido nomeada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como membro suplente do conselho na quarta-feira (27). Pressionado pelas redes sociais e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (PSL), Moro, mesmo contrariado, voltou atrás no dia seguinte e revogou o convite.

Ilona Szabó, especialista em segurança pública e colunista da Folha
Ilona Szabó, especialista em segurança pública e colunista da Folha - Bruno Santos/Folhapress

Szabó, colunista da Folha, lamentou que grupos minoritários extremados tenham conseguido impedir que pessoas, mesmo com divergências, pudessem se sentar à mesa para discutir políticas.

Não há determinação legal para que alguma medida passe obrigatoriamente pelo conselho, explica o professor da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente do conselho Alamiro Velludo. Com relação ao desenho de políticas, o conselho tem função consultiva. Não determina, portanto, as políticas públicas do setor.

"O conselho não substitui o ministro. Por isso, a exclusão [de Ilona] é algo mais simbólico por simplesmente transmitir a imagem de que o governo está fechado", diz Velludo.

O conselho foi criado em 1980 para ser uma instância federal para a questão penitenciária, problema da esfera estadual. Em 1984, a lei de execução penal atribuiu ao órgão figura central da execução penal, com capacidade de inspecionar estabelecimentos e propor políticas.

Atualmente, o órgão edita normas, como as relacionadas a visitas a presos ou arquitetura prisional, além de fiscalizar prisões. Já com relação à função consultiva, o exemplo mais emblemático é a atribuição de redigir a minuta do chamado indulto de natal.

Esse texto, que permite o perdão de crimes, segue para o ministro da Justiça e depois para a Presidência. Em 2017, o ex-presidente Michel Temer (MDB) alterou o texto encaminhado pelo órgão. Temer nem sequer editou o o decreto no ano passado.

Discussões de assuntos como o monitoramento eletrônico de presos e as audiências de custódia passaram pelo conselho antes de serem efetivadas. "Como toda instancia de maturação, sempre existem divergências", diz Velludo.

O conselho é formado por 13 titulares e 13 suplentes. Os nomes são designados por ato do Ministério da Justiça.

O mandato dos membros tem a duração de dois anos, podendo ser renovados por mais dois. Fazem parte do órgão integrantes do Judiciário, professores e pesquisadores.

A participação é voluntária, sem remuneração. O conselho não tem orçamento próprio e atividades, como a compra de passagens para reuniões ou inspeções, são financiadas pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

O desembargador Otávio Augusto de Almeida Toledo, membro do conselho, diz que as divergências nos debates são sempre tratadas de forma tranquila. "Os membros têm um respeito muito grande pelo outro. Não é um conselho doutrinado ou dirigido, cada um atua efetivamente com seu livre pensamento", diz.

A sociedade civil é subrepresentada na composição atual conselho. Dos 25 membros nomeados, 11 são juízes ou desembargadores, três, promotores e um, defensor público. Ainda há pesquisadores da área do direito, delegado federal e representante dos servidores penitenciários. Szabó, caso tivesse se juntado ao órgão, seria a única mulher do conselho.

Szabó tem mestrado em Estudos de Conflito e Paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia. É co-fundadora e diretora-executiva do Instituto Igarapé, que produz pesquisas sobre segurança, justiça e desenvolvimento. O governo ainda não informou quem irá ocupar a vaga que seria dela.

A especialista é contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas. Também já questionou em artigo pontos do pacote anticrime de Moro, ao considerar preocupantes, entre outras coisas, as medidas que tendem a ampliar o direito à legítima defesa.

Seus posicionamentos foram o estopim para uma campanha de ataques na internet contra ela e Moro. Bolsonaro não gostou e exigiu o desconvite, atendido pelo ministro.

O Ministério da Justiça não respondeu aos questionamentos sobre os critérios de nomeações. Em nota, informou que a manifestação da pasta sobre o tema é a contida na nota divulgada na quinta-feira (28),

No texto, o governo afirmou que o recuo ocorreu por causa das críticas. O tom da mensagem foi proposital para deixar claro que a decisão não partira de Moro, segundo informações de auxiliares da pasta.

"Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas", diz o comunicado. O ministério ainda defendeu a nomeação. "A escolha foi motivada pelos relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública e igualmente pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto Igarapé", cita a nota.

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