A mãe de Tomio Kikuchi viu o filho na porta de casa e se assustou: era preciso saber se ele tinha pés. Sim, tinha.
É que Kikuchi já havia sido enterrado. Morreu lutando na Segunda Guerra Mundial, segundo informou, errado, o governo japonês. A mãe precisava saber, portanto, se Kikuchi estava no mundo dos vivos. "Na crença japonesa, fantasma não tem pé, é só o tronco flutuante. E ele estava magrinho, irreconhecível", explica o filho, Tagore, 52.
Kikuchi nasceu em 23 de dezembro de 1926, na província de Tochigi, mas só foi registrado em 12 de fevereiro, data em que comemorava seu aniversário. "Eles viviam no campo e, no inverno, tinha muita neve. Só conseguiram ir ao cartório meses depois", diz Tagore.
Aos 18 anos, Kikuchi foi convocado para a guerra. Levou um tiro na coxa, que doía no inverno. Sobreviveu se alimentando de plantas e se escondendo em cemitérios, até poder voltar para casa.
Estudou jornalismo e biologia e, após se formar, conheceu o fundador da macrobiótica, o japonês George Ohsawa. Em 1955, foi enviado ao Brasil para difundir a filosofia, com o filho e a esposa. Fixou-se em São Paulo e teve mais três filhos e oito netos.
Atendeu celebridades como Gilberto Gil, Bela Gil e Caetano Veloso, e políticos como JK, Lula e Marina Silva, diz a vice-presidente do Instituto Princípio Único (fundado por Kikuchi), Célia Nogueira.
Naturalizou-se em 1972 e se gabava de ser brasileiro, apesar da "pronúncia horrível", diz Célia, rindo. "Depois ganhou o título de Cidadão Paulistano e ficou insuportável [de orgulho]", conta.
Recentemente, passou a se preparar para a morte, que chamava de finalização. Após quatro quedas, ficou fraco e perdeu o apetite. Desta vez, morreu brasileiro, aos 92 anos, em 4 de abril. Além de amigos e parentes, o pai da macrobiótica no país deixa mais de 60 livros, o restaurante Satori, o instituto e uma editora.
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