Mãe conta com filha de 5 anos para enfrentar segundo diagnóstico de câncer

Especialista recomenda que pais dividam com os filhos o que acontece; garota trocou brincadeiras por assistir à TV juntas

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São Paulo

Três meses após vencer um câncer no intestino, com repercussões dolorosas ao longo de quase um ano, a farmacêutica Michelle Barroso, então aos 30, resolveu, ao lado do marido, antecipar o plano da maternidade. Hoje, Ana Maria, 5, é parte do suporte e motivação para que a mãe enfrente um segundo episódio da doença.

"A gente queria ter tudo certinho antes de ter um filho: casa, carro, poupança, segurança, planos traçados, mas a doença me fez pensar diferente. A Ana tinha de vir logo para ajudar a família em suas conquistas, para colaborar com a gente na construção do que queremos", diz Michelle, 36. 

A escolha do nome da menina foi uma homenagem a uma amiga de infância da farmacêutica, que cresceu em cidades pequenas do Vale do Jequitinhonha, porção miserável de Minas Gerais.

Farmacêutica Michelle Barroso, 38, conta com a ajuda da filha Ana, 5, para enfrentar tratamento contra o câncer
Farmacêutica Michelle Barroso, 38, conta com a ajuda da filha Ana, 5, para enfrentar tratamento contra o câncer - Karime Xavier/Folhapress


"Essa amiga acabou morrendo com um câncer e eu quis deixar guardado o tempo que convivemos de alguma maneira na memória. Então, ela acabou ficando para sempre comigo, pela minha filha."

Os nódulos encontrados agora no pulmão e pâncreas de Michelle são de formação recente e surpreenderam os médicos, pois as células são intestinais, o que indica uma metástase seis anos depois de debelada a primeira ocorrência da doença.

"Nunca pensei na possibilidade de a doença voltar. Era algo muito bem resolvido na minha cabeça. Em 2013, passei por uma cirurgia que removeu 40 cm de meu intestino e fiz seis meses de quimioterapia apenas como prevenção. Fiz todo o acompanhamento e os médicos chegaram a dizer que eu estava totalmente livre de riscos."

Há um mês, a farmacêutica começou sua nova jornada de enfrentamento. Fará tratamento quimioterápico a cada 15 dias.

Como da primeira vez, não pretende parar de trabalhar, mas quer botar em prática planos antigos de solidariedade, como adotar uma criança, ajudar em organizações sociais e se envolver mais em ações de auxílio ao próximo. 

Até em discussões políticas pretende entrar, pois avalia que precisa participar mais dos rumos do próprio país.

A mãe dela, Detinha Barroso, 61, veio de Minas --Berilo-- para ajudar a filha a contornar os primeiros efeitos do tratamento. Ana Maria, em princípio, acompanhava somente com dúvidas e aflição as dores, o recolhimento e a angústia da mãe.

"Ela começou a ter mudança de comportamento na escola, ficar muito chorosa e regredir em atitudes. Foi aí que recebi a orientação de dividir com ela o que estava acontecendo comigo."

Ana não só se restabeleceu, como passou, à sua maneira, a cuidar da mãe, incentivá-la e apoiá-la em sua jornada.

"Agora ela entende quando eu preciso descansar e não posso brincar. Trocamos brincadeiras por assistir a desenhos e filmes juntinhas. Aliás, assistimos ao filme da Cinderela oito vezes neste mês."

De acordo com Elaine di Sarno, psicóloga pós-graduada pela USP, depois da autoaceitação de uma doença grave, é recomendável que os pais dividam o que estão passando com os filhos, mesmo que pequenos, respeitando a capacidade emocional e intelectual de cada faixa etária.

"Quando um dos pais está doente, geralmente, experimenta uma série de mudanças físicas e até mesmo psicológicas que as crianças quase certamente perceberão. As crianças ficarão mais tranquilas se souberem as razões dessas mudanças. Não é correto pensar que a criança não participa de todo esse processo do enfrentamento da doença", afirma.

Ainda segundo a especialista, "crianças muito pequenas podem nem entender o que é o câncer, mas elas geralmente percebem o pesar no entorno familiar por meio de comportamentos não verbais, por exemplo, o olhar de apreensão dos pais, uma certa emoção de tristeza. Gestos de afeto e ternura tornarão muito mais fácil a aceitação". 

Embora seja da área da saúde, entenda do potencial de medicamentos e tratamentos, Michelle afirma que não pesquisou sobre o prognóstico do novo câncer. 

Ela chegou a se abater nos primeiros dias do diagnóstico, mas declara que, agora, está pronta para o embate com a doença.

"Não posso admitir uma sentença de morte pelo câncer sem antes lutar pela minha vida. Vou viver intensamente cada dia, mas não vou deixar de fazer planos com meu marido, de desejar acompanhar o futuro da minha filha."

Ela diz que sua vibração positiva, sua vontade de viver, vem tanto de apoio profissional --terapia holística, que a ensina a não guardar sensações e emoções negativas-- como do respaldo e acolhimento que tem tido do trabalho --uma indústria farmacêutica--, dos amigos e da família.

"Metade da minha cura virá dos tratamentos, do remédio, mas a outra metade vem da minha cabeça, da minha força espiritual e do meu estado emocional. Semana passada, quando tirei a bolsa de medicamentos, minha filha me olhou e disse: 'Já está melhorando, né, mamãe?'. É disso que eu preciso."

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