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Leandro Piquet Carneiro

Prisão tem o efeito de dissuadir e de incapacitar infratores

Não é possível descartar a hipótese de que o encarceramento reduza o crime

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Nos últimos 25 anos a população carcerária de São Paulo quadruplicou e chegou a 235.775 presos em 2019. O Estado apresenta a quinta maior taxa de encarceramento por 100 mil habitantes do Brasil e administra um terço da população carcerária nacional. Esse sistema custa muito caro (R$ 4,5 bilhões em 2018, sem considerar os gastos previdenciários dos agentes), está com lotação acima do número de vagas e apresenta problemas crônicos como a presença do crime organizado em várias unidades do sistema.

Talvez por isso, os especialistas ouvidos pela Folha na semana passada, nas duas reportagens publicadas sobre o tema, foram unânimes na condenação da funcionalidade e da eficácia das penas de prisão para o controle do crime. “Prisão não resolve”. Escolarização, emprego e moradia, sim. “Não há evidências”, disseram. Não é bem assim.

Esse assunto talvez seja complexo demais para ser deixado apenas na mão de cientistas sociais e operadores do direito que têm pouca familiaridade com modelos causais e estudos quantitativos. Samuel Pessôa, na sua coluna de 26 de maio, fez uma correção importante ao indicar a existência de diversos estudos empíricos que demonstram a relevância das penas de prisão para o controle do crime. Não apenas há evidências como também existem boas explicações sobre o mecanismo causal que liga o crime ao encarceramento. 

Steven Shavell publicou em 2015 um artigo sobre o assunto na International Review of Law and Economics, "A simple model of optimal deterrence and incapacitation". Shavell argumenta que o aprisionamento tem dois efeitos principais sobre o crime: dissuade o infrator que ainda não foi capturado, pela ameaça de aprisionamento; e incapacita aqueles que foram capturados e condenados, pois durante o período de prisão não é possível cometer novos crimes na sociedade.

É claro que é sempre melhor empregar sanções penais que sejam suficientes para dissuadir os infratores que estão soltos e minimizar o encarceramento. O problema é que o efeito dissuasório do aprisionamento depende, em parte, do seu efeito incapacitante. É preciso, de fato, prender um número suficientemente grande de infratores para que o risco de encarceramento seja percebido por todos.

No entanto, se a dissuasão não for alcançada, devido à ineficiência da polícia e da Justiça na aplicação das sanções penais, o encarceramento pode ainda assim ser desejável com o objetivo de manter presos os infratores que cometeram crimes graves. A conclusão é bastante intuitiva: independente do efeito dissuasório da pena de prisão, o encarceramento pode ser vantajoso para a sociedade. Claro que o aprisionamento só é vantajoso se o custo da prisão for menor do que o benefício da incapacitação. “Prender errado”, isto é, sentenciar a penas de prisão infratores que não cometeram crimes graves, não é uma estratégia ótima nesse sentido.

A Lei Maria da Penha, por exemplo, endureceu as penas de prisão para os agressores que descumprirem as medidas protetivas e dificultou a concessão de liberdade provisória quando há risco à integridade física da vítima. A lei de 2006 foi uma resposta ao grave problema da violência contra as mulheres e sinalizou para os agressores que determinadas condutas seriam tratadas com penas mais duras. Essa sinalização contida na lei representa seu efeito dissuasor.

O que o legislador esperava, no caso da Lei Maria da Penha, é que os homens passem a evitar cometer qualquer tipo de agressão contra mulheres, simplesmente porque há um risco maior de punição e o custo dessa punição também ficou maior (o tempo na prisão). Mas nem todos os homens percebem o aumento do risco e do custo e continuam a praticar suas agressões. Para esses, o efeito dissuasório não funciona, mas esses agressores recalcitrantes poderão ser incapacitados com base na mesma lei. Ficarão um tempo maior na prisão, tempo durante o qual não poderão cometer novas agressões.

Aumentar a probabilidade de aplicação de sanções legais aumenta a dissuasão em alguns casos (algumas pessoas simplesmente mudam de conduta porque são racionais diante do risco) e também resulta em ganhos com a incapacitação dos agressores. Somando tudo, o benefício da lei para a sociedade corresponde ao dano social dos crimes que os agressores cometeriam se não estivessem na prisão e dos crimes que não são cometidos por medo da punição. Esse é o mecanismo que explica porque o encarceramento funciona para conter o crime. A mesma lógica se aplica a corruptos, homicidas, homofóbicos, motoristas bêbados, traficantes de drogas e ladrões. 

Existem questões difíceis que não enfrentei. O que acontece quando os infratores saem da prisão ainda mais inclinados e capacitados para cometer novos crimes? Prisões são a universidade do crime, aqui e em qualquer lugar do mundo. O criminólogo Diego Gambetta, em seu livro “Codes of the Underworld: How Criminals Communicate”, oferece uma hipótese interessante: o custo da informação em qualquer atividade ilícita é muito alto. É muito difícil (e custoso) formar uma reputação pública no mundo do crime, já que criminosos têm fortes incentivos para mentir sobre suas habilidades, o que torna muito difícil a tarefa de selecionar parceiros para novos crimes e para formar organizações criminosas.

A prisão é a solução para esse problema reputacional e funciona como o departamento de recursos humanos perfeito para o mundo do crime. No dia a dia da prisão, o gosto e a capacidade para exercer a violência e a trapaça serão testados e observados de fato. Quem quiser subir no mundo do crime precisa passar pela prisão e encontrar seu próximo parceiro ou, se tiver sorte, impressionar os líderes de alguma organização criminosa.

Isso não é um defeito da política de encarceramento do estado de São Paulo, como alegam os que apostam na politização desse debate. Esse é um dos efeitos esperados do encarceramento em qualquer lugar do mundo. O custo do sistema prisional para a sociedade aumenta em decorrência disso, pois apenas a prisão prolongada fará com que criminosos reincidentes e organizados desistam do crime. Infelizmente não há atalhos e caminhos suaves.

Resta uma pergunta de natureza empírica, para terminar. A redução de 79% da taxa de homicídio no estado de São Paulo durante os últimos vinte anos tem relação com a alta taxa de encarceramento? Nesse ponto, não é possível oferecer uma conclusão informada por evidências. A operacionalização de pesquisas empíricas sobre o efeito do encarceramento é extremamente complexa e não está disponível no Brasil.

Isso não significa dizer que é possível descartar a hipótese do efeito positivo do encarceramento. Há evidências disponíveis com dados de outros países e há justificativas consistentes sobre o mecanismo causal que liga o encarceramento à diminuição do crime.

Um pouco mais de prudência em face da incerteza faria bem aos especialistas a quem a opinião pública recorre na esperança de encontrar alguma orientação. Desmontar o sistema prisional de São Paulo, limitar seus recursos ou promover uma campanha de liberação sistemática de infratores condenados pela Justiça pode ter efeitos severos sobre o bem-estar da sociedade.

 

Leandro Piquet Carneiro é professor do Instituto de Relações Internacionais e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo

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