Violência só diminuirá com educação, diz secretário de Segurança do Recife

Para Murilo Cavalcanti, que estudou Medellín e atua em Recife, policiamento sozinho é ineficaz

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São Paulo

Murilo Cavalcanti, 58, era um bem-sucedido empresário da noite recifense até 2003, quando sua irmã foi baleada em um assalto e ficou paraplégica. Ele largou tudo para estudar o combate à violência e se tornar um militante do desarmamento.

Desde então, viajou 31 vezes à Colômbia para conhecer o processo de transformação de Bogotá e Medellín.

Antes dominadas pelo tráfico de drogas e consideradas duas das mais violentas cidades do mundo, viraram referência na redução da criminalidade ao associar à repressão policial um amplo projeto de investimento social. 

Cavalcanti lançou o livro “As Lições de Bogotá & Medellín —do Caos à Referência Mundial”, em 2013, e foi convidado a criar e a assumir, na prefeitura de Recife, a Secretaria de Segurança Urbana, cargo que ele segue ocupando.

Inaugurou duas unidades de um projeto chamado Compaz (Centro Comunitário da Paz), que oferece em áreas periféricas da capital pernambucana atividades esportivas, culturais e educativas. 

Algo significativo sobre a concepção da secretaria de segurança é que ela passou a gerir as duas bibliotecas municipais de Recife, que por 50 anos estiveram sob responsabilidade da área cultural. 

Nesta segunda (10), participa, no Rio, do seminário Infâncias e Natureza, um Olhar para a Diversidade Social e Ambiental. Realizado pelo instituto Alana em parceria com o Sesc, o evento debaterá a importância do contato entre a criança e a natureza.

Murilo Cavalcanti, secretario de Segurança Urbana de Recife (PE), durante seminário Inovacão Educativa, no Unibes Cultural, em São Paulo - Keiny Andrade/Folhapress


Como foi o seu estudo sobre os projetos contra a violência em Bogotá e Medellín? 
Já fui 31 vezes a Bogotá e a Medellín e aprendi que há saída para o caos urbano, o crime, a delinquência, a desordem etc. E a saída é a vontade política. 

Medellín é o melhor laboratório de políticas públicas da América Latina. Eles quebraram definitivamente com a lógica perversa de ‘fazer coisa pobre para quem é pobre’.

As melhores escolas, creches, meios de transportes públicos e bibliotecas estão nas áreas mais pobres da cidade. A escola do pobre precisa ser igual à do rico ou melhor. 

Inspirados nos exemplos da Colômbia, desenvolvemos o Compaz (Centro Comunitário da Paz). Há dois funcionando em Recife há pouco mais de três anos, com resultados espetaculares na promoção da cidadania e na redução da violência no entorno. Crianças que fazem atividades lá melhoraram o comportamento e o desempenho em matemática e português.

Em uma delegacia a 500 metros de uma das unidades, todos os índices de violência foram reduzidos.

O que defende como política de segurança pública?
Trabalhar a cultura da não violência, abrindo oportunidades para o jovem da periferia, que muitas vezes não tem outra chance na vida a não ser ir para o crime, para o mercado das drogas. Esse jovem precisa ser ouvido, ter sua cabeça transformada por meio da cultura, da arte, dos esportes. 

O Compaz tem sido um bom laboratório. É preciso também levantar a bandeira da primeira infância e falar da tragédia vivida no Brasil, com 9 milhões de crianças em extrema pobreza. Se queremos salvar esse país, precisamos ter como prioridade as crianças. Não é pelas armas que vamos resolver o problema da violência, e sim pela educação.

O sr. defende que a ocupação da cidade é uma forma de combater a violência. Como se dá isso na prática?  
O contrário de insegurança não é polícia, é convivência. Precisamos resgatar esse conceito. Devemos ofertar um conjunto de iniciativas públicas, como parques, praças, áreas de lazer, campos de futebol, bibliotecas, salas de leitura etc., que gerem cidadania, convivência, encontros. Quanto mais gente na rua, mais seguro é o espaço público.

Por que o sr. acredita que as escolas devem levar os alunos para as ruas, transformando os pontos da cidade em salas de aulas abertas? 
Devemos quebrar com os ‘paredões penitenciários’. Arquitetos que projetam os presídios não devem projetar escolas. Os alunos precisam conhecer a cidade. Quanto mais segregada ela for, mais violência teremos. Precisamos formar uma legião de pessoas que respeitam as diferenças, as religiões, o contraditório. E essa é uma responsabilidade de todos, não apenas das escolas. 

A escola em tempo integral, por exemplo, é uma boa iniciativa, mas precisa haver cuidado para não segregar as crianças de outras iniciativas importantes para sua formação.

Tirar o menino ou menina da rua é um equívoco. Precisamos ofertar iniciativas bacanas para acolher as crianças no contraturno. A convivência com a natureza é uma delas. 

Como pensar em derrubar muros quando a violência segue tão alta, com escolas sendo também alvo de roubos, assaltos e vandalismo?  Não são os muros da escola que vão proteger da violência. O que temos nas escolas é a reprodução da violência das ruas, dos lares, dos políticos que desviam o dinheiro público, da impunidade, da desigualdade. 

Temos uma sociedade violenta e violentada nos seus direitos. Não vejo muito horizonte nesse cenário que vive o Brasil de olho por olho, dente por dente. Não se resolvem os problemas da violência sem polícia, mas também não se resolvem todos os problemas da violência só com polícia.

É possível seguir com essa ideia de quebrar os muros quando o país vivencia algo tão trágico como o massacre na escola de Suzano (SP)?  
O grave e lamentável problema ocorrido na escola de Suzano foi um ponto fora da curva. Não são episódios corriqueiros na vida escolar brasileira. 

Mas quero dizer que dezenas de jovens pretos, pobres e de periferia são todos os dias dizimados nessa guerra civil não declarada que vive o Brasil. O que precisamos é construir pontes, abrir janelas de oportunidades para os jovens da periferia e reduzir as desigualdades, com políticas públicas consistentes.

Diante do discurso do presidente Jair Bolsonaro favorável às armas e mais centrado na repressão do que na prevenção, o sr. considera viável propostas como as suas?  
É um discurso equivocado o de querer armar a população civil como política de segurança. Não conheço nenhum exemplo no mundo em que a população civil tenha sido armada e a violência, reduzido. Beira a maluquice. É mais uma forma de dar satisfação à parte do seu eleitorado ávida em se armar. 

A segurança pública não é de direita, de centro ou de esquerda. Estamos falando da vida das pessoas. Se esse governo tiver juízo, vai recuar dessas medidas malucas e implantar um projeto de segurança que vá do repressivo ao preventivo e à ressocialização. 

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