Criminoso queria repetir sequestro do 174 e entrar para a história, dizem passageiros

Willian da Silva pediu que passageira escrevesse com um batom no vidro do ônibus

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Rio de Janeiro

O sequestro de um ônibus com 38 passageiros e o motorista a bordo sobre uma das pontes mais conhecidas do Brasil —a Rio-Niterói— na manhã desta terça (20) culminou na morte do suspeito, Willian Augusto da Silva, por um franco-atirador da Polícia Militar fluminense. Nenhum refém ficou ferido.

A ação criminosa e a operação policial, que tiveram seus lances finais televisionados, duraram quase quatro horas, atraíram atenção internacional e tiveram o desfecho festejado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), defensores da polícia linha-dura.

Até a conclusão desta edição, as motivações do sequestrador não estavam ainda totalmente claras.
Silva, um homem de 20 anos sem antecedentes criminais descrito por familiares como depressivo, embarcou no ônibus da linha 2520, que liga o bairro de Jardim Alcântara, em São Gonçalo (região metropolitana do Rio), ao Estácio, no centro da capital fluminense, por volta de 5h10. 

Cerca de 15 minutos depois, quando o ônibus se aproximava da ponte, ele ergueu uma pistola —que a polícia mais tarde descobriria ser um simulacro— pediu calma e afirmou que não queria machucar ninguém, conforme relataram passageiros.

Dirigiu-se ao motorista da viação Galo Branco e, ameaçando-o com a pistola falsa, um "taser" (arma não letal de eletrochoque) e uma faca, ordenou que parasse o veículo na diagonal sobre a ponte.

A Polícia Rodoviária do Rio de Janeiro foi acionada por volta das 5h40 pelos próprios passageiros a pedido do sequestrador. A negociação, contudo, só começaria cerca de 30 minutos depois, quando Silva fez uma das vítimas levar um celular para que ele pudesse falar com os policiais.

"Ele dizia que queria dinheiro do Estado. Não dinheiro nosso", disse o professor Hanz Miller, 34, um dos reféns.

Segundo Miller, Silva diz que pretendia repetir outro sequestro televisionado no Rio, o do ônibus 174, em 2000, que levou à morte do criminoso Sandro Barbosa do Nascimento e da refém Geísa Firmo Gonçalves após mais de cinco horas de negociações. O episódio viraria um documentário de José Padilha, diretor de "Tropa de Elite".

"Willian [Silva] só falava que queria entrar para a história, que a gente ia ter muita história para contar. Só falava isso", disse Miller mais tarde.

Silva, que tomava energético sem parar declarando querer "manter a adrenalina", segundo os reféns, escolheu um dos passageiros para amarrar os demais. Ainda assim, alguns conseguiram enviar mensagens a familiares.

Daniele Caria estava em casa quando recebeu a mensagem do marido, Carlos Pereira da Silva, dizendo que estava em um ônibus sequestrado. "Não tinha como ficar calma."

O momento mais tenso relatado por Carlos, segundo Daniela, foi quando Silva começou a espalhar a gasolina que levava em garrafas pelo ônibus, ameaçando atear fogo.

As garrafas eram presas por barbantes passados pelo teto do ônibus pelos passageiros, por ordem do sequestrador.

Vários reféns, entretanto, repetiram que o sequestrador não os ameaçou. "Ele nunca ameaçou a gente, dizia que não ia machucar ninguém. Ficamos tensos, com medo de a gasolina cair", afirmou Miller. 

Segundo a recepcionista Rafaela Gama, 20, Silva manipulava um isqueiro e acompanhava a repercussão pelo celular, rindo. "Ele repetia que não dormia havia seis dias."

O espaço de trás do ônibus foi liberado para que servisse de banheiro, afirmou o contador Lafaiete Resende. Silva dizia a eles que o sequestro ainda demoraria.

Às 6h20, cerca de dez minutos após o início do diálogo com a polícia, o primeiro refém foi libertado. Ao longo da negociação, encabeçada por policiais rodoviários e do Batalhão de Choque, seriam soltos mais cinco: quatro homens e duas mulheres, ao todo, o último às 8h14, três horas após Silva iniciar o sequestro.

Uma das vítimas, ao ser liberada, desmaiou no asfalto por causa do nervosismo.

O sequestrador só deixaria o ônibus por volta das 9h, com a polícia e as câmeras de TV à sua volta. Usava uma máscara e, segundo reféns remanescentes, queria entregar itens de um dos passageiros que acabara de ser libertado. Jogou um casaco em direção aos policiais e fez um aceno.

Foi quando a polícia, sob instrução do comandante do Bope, tenente-coronel Maurílio Nunes, decidiu atirar. Após duas horas de negociação, psicólogos convocados ao local haviam concluído que o sequestrador tinha "perfil psicótico" e era instável. 

"Cerca de 90% das ocorrências são resolvidas com negociação. Era uma negociação real, por algumas questões internas que foram acontecendo, com psicólogos no local, vimos que ele tinha um perfil psicótico", disse Nunes em entrevista coletiva depois. 

"A partir do momento que a negociação real cessa, a negociação passa a ser tática."

O disparo, no momento em que o sequestrador tentava voltar ao veículo, veio de um franco-atirador da PM, cuja identidade foi omitida por razão de segurança, posicionado em cima de um caminhão do Corpo de Bombeiros. 

Baleado, Silva caiu, imobilizado. O atirador fez sinal de positivo, enquanto, em torno da cena, os policiais festejaram e rezaram o Pai-Nosso. Passageiros referiram-se à ação da polícia como "perfeita", apesar do medo de serem atingidos também. A essa altura já havia um aglomerado de curiosos em torno da cena.
O sequestrador foi levado para o hospital Souza Aguiar, no centro do Rio. Durante o atendimento, teve parada cardiorrespiratória e morreu.

Foi só após o desfecho que o governador Witzel desembarcou no local do crime, celebrando com gestos efusivos a conclusão da ação policial com o suspeito morto e sem reféns feridos.

A polícia não confirmou o número de tiros disparados.

Segundo funcionários do Instituto Médico Legal relataram, mais tarde, foram seis perfurações: duas no tórax, uma no antebraço direito, uma na perna esquerda, outra no braço esquerdo. O local da sexta não foi informado.

PSIQUIATRA ALERTA PARA ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

Episódios violentos como o desta terça-feira podem gerar transtornos como o estresse pós-traumático nos reféns e em seus familiares, diz o psiquiatra Higor Caldato psiquiatra, especialista em psicoterapias. 

Nos primeiros 30 dias, ele explica, é normal desenvolver um estresse agudo, com sintomas físicos como mal-estar, taquicardia e perda de sono. 

"É preocupante quando esses sintomas se estendem por mais tempo", afirma. Principalmente quando acompanhados de outros: como flashbacks, pensamentos recorrentes, isolamento social e sudorese, por exemplo. A partir disso, outros problemas podem se desenvolver, como ansiedade e depressão.

O importante, diz o médico, é "dar suporte psicológico e psiquiátrico o mais rápido para essas pessoas. Às vezes é necessário inclusive o uso de medicamentos para controlar o quadro, que é reversível".

Ele diz que cerca de 20% das pessoas que passam por situações de extrema violência, como um sequestro, devolvem transtornos do tipo. "Isso porque os pacientes demoram cerca de dois anos para procurar ajuda", afirma.

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