Aos oito, Mishellý, que levava ainda o sobrenome Nascimento Ferreira, saiu de casa para morar na rua. Faltava-lhe segurança para conviver com a família —a relação com o pai era turbulenta.
Para trás ficaram 13 irmãos. Transexual, ela cresceu pelo bairro de Santa Cecília, centro de São Paulo, onde a chamavam pelo nome que escolheu.
O sobrenome adotado depois, Luz, refletia a simpatia oferecida a quem cruzasse seu caminho. Se conquistava alguma intimidade, pedia produtos de beleza e xampu.
Uma dessas abordagens rendeu uma amizade com a terapeuta Bruna Franzoi, 33, que virou sua madrinha do coração. "Ela me parou e pediu um xampu de argan, porque o cabelo estava quebrado. Eu usava vestido longo e ela brincou que eu era elegante como a [atriz] Paolla Oliveira", conta.
Com o tempo, ficou amiga dos moradores do bairro e integrou-se à comunidade. Ajudava as pessoas com pequenos serviços para retribuir o bem que recebia. "Ela nunca quis ter casa, mas apoio, amor e carinho", diz a amiga.
Em 2017, Mishellý foi presa sob acusação de tentativa de latrocínio contra um publicitário. O bairro se uniu para provar sua inocência após o jornalista de uma emissora de TV chamá-la de "serial killer". A Justiça a absolveu.
Para marcar a nova fase, adotou o sobrenome "Luz".
Entre os amigos, deixou o espírito de união. Mishellý Luz morreu no sábado (14), aos 22 anos, por complicações decorrentes de uma tuberculose. Como um derradeiro gesto de respeito, a Santa Cecília que a acolheu se uniu uma última vez por Mishellý e arrecadou dinheiro para lhe proporcionar velório e enterro.
"Ela era filha de Santa Cecília, iluminada", diz Bruna. "Enxergava a vida com amor."
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