Descrição de chapéu Rio de Janeiro Alalaô

Carnaval na Sapucaí tem futuro incerto sem dinheiro de Crivella

Prefeito do Rio decidiu extinguir verbas para escolas de samba em 2020, mas aumentou aporte a desfile menor

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Rio de Janeiro

“O Carnaval é um bebê parrudo que precisa ser desmamado e andar com as próprias pernas”, costuma repetir o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos). Pois bem, há alguns meses ele decidiu finalmente desmamá-lo.

Resolveu que não vai mais repassar nem um real às escolas de samba que desfilarão na Marquês de Sapucaí a partir do ano que vem, depois de já ter reduzido essas verbas a um quarto do que foi destinado pelo seu antecessor, Eduardo Paes (DEM).

Sem o dinheiro municipal à vista, as ligas das escolas de samba vivem um período de incertezas sobre como vão financiar a folia. Ainda não está certo, por exemplo, quem vai pagar por serviços como limpeza, segurança, iluminação e atendimento médico no sambódromo.

 

Assim como os subsídios às agremiações, era a prefeitura que custeava essas atividades. Em julho, porém, Crivella decidiu proibir que órgãos públicos invistam ou prestem serviços gratuitos em eventos com venda de ingressos. Quem teria que fazer isso seriam os próprios organizadores, como já acontece com o Rock in Rio.

 
***Show "Matrizes", da Mangueira** A Mangueira, escola vencedora do Carnaval 2019, passou a fazer shows toda quinta-feira em seu barracão para arrecadar dinheiro
Show semanal da Mangueira, vencedora do Carnaval 2019, para arrecadar dinheiro - Leo Queiroz - 02.out.2019/Divulgação

“Estamos trocando o investimento público pelo privado. A prefeitura é a única que investe recursos oficialmente no Carnaval, enquanto a arrecadação com imposto é dividida com os governos estadual e federal”, justifica Marcelo Alves, presidente da Riotur, empresa municipal responsável pelo evento.

Segundo ele próprio, no entanto, esse modelo talvez não dê certo para o ano que vem. A Liesa (liga das escolas do Grupo Especial), diz, está com muita dificuldade para conseguir recursos, e o prefeito já avalia retirar essa regra e oferecer os serviços ao menos no próximo Carnaval —a liga não quis se pronunciar.

Também não é certa ainda a situação do Grupo de Acesso, aquele que desfila sempre na sexta-feira e no sábado do feriado. A Lierj, liga que reúne essas escolas, chegou a propor à prefeitura deixar de cobrar ingressos para continuar recebendo o subsídio municipal, equivalente a metade das suas receitas.

“Se o município não aceitar, vamos continuar cobrando ingresso, mas fica praticamente inviável fazer o nosso Carnaval”, critica Wallace Palhares, presidente do grupo. Apesar disso, ele esclarece que não há possibilidade de o espetáculo ser cancelado.

“Ainda temos o dinheiro da transmissão da Globo [equivalente a 30%] e estamos procurando soluções com o governo do estado, que tem visitado barracões, talvez através de parcerias privadas e fundos de amparo à cultura”, conta.

A situação do “primo pobre da Sapucaí”, como ele autodenomina o grupo, já não é fácil atualmente. Até agora uma parcela do repasse municipal do último Carnaval não foi paga, e as dívidas com fornecedores seguem pendentes –a Riotur afirma que o valor deve estar em auditoria.

“Jogar a opinião pública contra a gente é uma das maiores maldades que existe. O prefeito está subestimando as pessoas ao dizer que o dinheiro do Carnaval vai acabar com o dinheiro de creches, escolas etc.”, reclama Palhares.

Poucas escolas da segunda divisão têm quadras para atrair público ou empresas, e muitas mantêm seus barracões em espaços invadidos. Não poderiam, portanto, buscar fontes de renda alternativas como a Mangueira, campeã da primeira divisão deste ano que, desde julho, vem apresentando shows semanais com ingressos a R$ 70.

Quem se deu bem nessa história toda foi a terceira divisão, cujos desfiles acontecem todo ano gratuitamente na avenida Intendente Magalhães, na zona norte carioca. As 37 escolas desse grupo, que dependem unicamente da prefeitura, terão suas verbas triplicadas para R$ 3 milhões.

“São o verdadeiro Carnaval do povo, e esse Carnaval terá sempre o nosso apoio”, disse Crivella ao anunciar o aumento, em setembro. A primeira coisa que as agremiações farão com esse valor é sanar as dívidas acumuladas com as quedas sucessivas nos aportes anteriores.

“Subvenção não é dinheiro dado, e sim investido. É pouquinho, mas movimenta toda uma economia ao redor da escola de samba, e foi isso que tentei mostrar para sensibilizar o prefeito”, afirma Clayton Ferreira, presidente desse grupo (Liesb).

Ele faz um mea culpa. “A decisão de tirar dinheiro das outras ligas é equivocada, porque ele volta para a cidade. Mas isso também se deu pela da nossa incompetência como sambistas de mostrar isso."

Além das incertezas no campo financeiro, a Sapucaí atravessa dúvidas quanto à sua gestão. Crivella e o governador Wilson Witzel (PSC) chegaram a anunciar publicamente que o sambódromo (e não o Carnaval em si, que é da prefeitura) seria concedido ao estado.

 

Marcelo Alves, da Riotur, diz que essa possibilidade já foi descartada porque não houve acordo –o governo não comentou–, mas, logo após o espetáculo de 2020, a prefeitura pretende montar um edital para privatizar a avenida.

É mais um dos planos do “desmame” de Crivella, que refuta a acusação de não gostar da folia por ser evangélico. “Fui o primeiro cantor evangélico a gravar um samba, ‘Gente Fina’. Me lembro de uma vez, num culto da catedral, com o bispo Macedo balançando o pezinho”, disse ele em entrevista à Folha há um mês.

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