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Perfil médio de conselheiro tutelar em SP é mulher, estudou até o ensino médio e foi reeleita

Escolhidos atuarão em casos que vão desde abuso sexual a falta de aulas

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São Paulo

Mulher, que estudou só até o ensino médio e que já tinha atuado como conselheira tutelar antes. Esse é o perfil médio dos eleitos para os Conselhos Tutelares em São Paulo, que vão zelar pelos direitos das crianças e adolescentes pelos próximos quatro anos.

No último domingo (6), 145 mil paulistanos votaram nos membros dos 52 conselhos da capital paulista. Cada um elegeu cinco representantes. São 260 conselheiros no total. Por falhas no processo, a eleição terá que ser refeita em Lajeado (zona leste da cidade) e em partes de Pinheiros (zona oeste). Até agora, foi confirmada a eleição de 250 representantes.

A Folha obteve os currículos dos candidatos ao pleito. Dos 250 já eleitos, dois terços (167) são mulheres, a maior parte estudou só até o ensino médio e pelo menos 162 já tinham sido conselheiros tutelares em outras ocasiões. A idade média dos eleitos é de 46 anos. As informações estão em fichas que os próprios candidatos preenchem e entregam à prefeitura.

Essa eleição teve também um debate grande entre candidatos conservadores e progressistas, com campanhas dos dois lados. Metade dos eleitos constava em listas de candidatos elaboradas por setores de esquerda, como ativistas e partidos. Não é possível saber quantos dos eleitos foram apoiados por grupos religiosos.

A conselheira Sandra Morgado, 55, se reelegeu para iniciar um segundo mandato no ano que vem. Ela trabalha no Jaçanã, na zona norte da cidade.

“Hoje estamos com um caso de abuso infantil. Ontem, teve uma menina que tentou se matar com comprimidos. Anteontem, alunos com mau comportamento em escolas. Cada dia é uma coisa”, diz ela.

Sandra tentou algumas vezes antes de conseguir seu primeiro mandato, na eleição de 2016. Embora tenha sido reeleita, ela é crítica do modelo de escolhas de conselheiros e do mandato de quatro anos.

“Uma mãe vem, você atende. Se ela precisa voltar depois e quem atende é outro conselheiro, o atendimento praticamente tem que recomeçar, ela tem que contar toda a história de novo, o que dificulta muito o trabalho. Se trocam todos os conselheiros depois de um tempo, vai ter que criar vínculo de novo com as pessoas”, diz ela.

Opinião parecida tem Dacilia Melo, 59, que atua na região do Grajaú, no extremo sul de São Paulo.

Ela está em seu terceiro mandato como conselheira e tentou se reeleger, sem sucesso. Conseguiu 638 votos e ficou como suplente, ou seja, pode ser convocada caso algum dos eleitos desista da vaga.

“A política ganhou aqui. Entrou gente com proximidade de vereador, com carro de som puxando voto. Eu tenho uma experiência grande, sou pedagoga, trabalho na área desde os meus 15 anos, e fico triste que vou sair”, diz ela.

Apuração na Câmara Municipal de SP da eleição para conselheiro tutelar
Apuração na Câmara Municipal de SP da eleição para conselheiro tutelar - Prefeitura/Divulgação

Em Rio Pequeno, na zona oeste de SP, um grupo acionou o Ministério Público contra três conselheiros eleitos, segundo eles, com abuso de poder político de vereadores.

“Acho que teria que ter concurso, porque aí entram pessoas capacitadas. Numa eleição, você não conhece a pessoa que entra, não sabe se ela cuida do próprio filho. E aqui tem casos bastante complicados”, diz Dacilia.

Ela cita alguns. Recentemente, um hospital na região acionou o conselho porque uma criança de 9 anos havia sido agredida, tendo um braço e a clavícula quebrados. A suspeita era de que a mãe a agredira. Quando o conselho foi investigar, descobriu que, além das agressões, a menina, que tem deficiência intelectual, também era abusada sexualmente.

“Aqui na região o que mais chega são maus tratos, agressão e muitas denúncias de abuso”, diz.

É o Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê que os conselheiros tutelares sejam escolhidos pela população para um mandato de quatro anos. Desde 2015, as eleições são unificadas, ou seja, acontecem ao mesmo tempo no país todo. Em São Paulo, a eleição é assessorada pelo Tribunal Regional Eleitoral. A prefeitura paga R$ 2.853 de salário aos eleitos.

Lualinda Toledo, 38, está no seu segundo mandato como conselheira tutelar na Sé, no centro da cidade. Ela, por sua vez, não acha que os conselheiros deveriam ser escolhidos por concurso público. 

“Eu conheço mulheres que mal sabem ler e escrever, mas que são fantásticas, que têm o dom para conversar, que conhecem todo mundo da comunidade. Se você fizer uma prova, elimina pessoas como essas. Não acho que o conselheiro precise ter mestrado, doutorado, ser especialista no assunto. Acho, sim, que ele tem que ter um mínimo de noção. O problema é que essa noção falta para muita gente”, afirma.

Lualinda afirma que não há um padrão para as denúncias no centro, mas cita problemas que são menos vistos em regiões periféricas, como uma demanda alta por adolescentes que vivem na rua. 

“Temos também muito uso de droga, principalmente tinner e outras substâncias, mas de jovens que não são da região central.”

Para Lualinda, a população conhece pouco do trabalho dos conselhos. “Os pais, as escolas falam sempre em tom de ameaça: ‘Vou chamar o Conselho Tutelar’. O conselho não é um órgão punitivo. É um órgão de proteção, de garantia de direitos. O papel do conselho não é tirar o filho da mãe, é acionar a rede e garantir a proteção da criança”, afirma ela, que, na eleição do último domingo, ficou em primeiro lugar entre os suplentes.

Também não conseguiu se reeleger Cristina Coelho, 30, conselheira tutelar de São Rafael, na zona leste. Por lá, o problema é outro.

“Os casos que mais chegam aqui são de escola, as crianças têm dificuldade de frequentar. Às vezes, quando chegam esses casos, a gente notifica a família e encontra outras negligências, abuso, agressão. Na zona leste tem bastante caso de drogadição. Crack não tem aqui, mas cocaína, maconha, lança-perfume. Tem casos de crianças de 8, 9, 10 anos envolvida no tráfico”, diz.

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