Grupos de apoio e promessas ajudam a controlar vício em celular e jogos

Uso em excesso de redes sociais pode gerar ansiedade e depressão

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São Paulo

Regras para a família em casa, uso de ferramentas do celular, busca por grupos de apoio e até promessa. Para colocar limites no uso de tecnologias, e aplacar a ansiedade, usuários dependentes do mundo digital e familiares adotam diferentes estratégias.

 Neste domingo (8), é realizado o Desafio Detox Digital Brasil, campanha do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para incentivar os brasileiros a passar 24 horas longe da internet.
A psicóloga Paula Penteado, 50, mãe de três filhos de 20, 18 e 7 anos, estabeleceu regras para uso de tecnologias.

Na hora das refeições, mexer em aparelhos eletrônicos nem pensar. E a filha caçula, Laura, só pode assistir a vídeos no tablet depois de jantar e do banho, por 45 minutos. 

A psicóloga nem sempre foi rígida quanto ao uso das tecnologias. Quando os dois filhos mais velhos eram pequenos, colocar limites era mais difícil, segundo ela. Brigas eram constantes. A preocupação maior era o videogame.

 “A gente não sabia lidar na época, não tinha tanta informação disponível. Hoje, sabemos o quanto o excesso faz mal”, afirma.

No ano passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou o vício em jogos online como distúrbio mental.

Foi por causa do vício do filho em jogos online que Maria (nome fictício) procurou o Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo).

 O filho, no início da adolescência, costumava passar muitas horas na frente do computador e tinha ataques de fúria quando ela tentava restringir o uso. Nas férias, por exemplo, chegava a passar um dia inteiro imerso em jogos. Começou a apresentar mau rendimento na escola.

 “[As pessoas não costumam perceber o vício] porque é muito cômodo o filho ficar quietinho lá no computador sem amolar ninguém, está seguro dentro de casa. A questão é: até que ponto vai ficar de frente para a tela sem curtir a vida, tomar sol, sair com amigos, jogar bola?”

Buscou uma psicóloga, mas não deu certo. Em meio a pesquisas sobre o assunto, um amigo indicou o grupo na USP. O lugar oferece atendimento e orientação a pacientes ou pais dos que desenvolveram dependência tecnológica.

 A experiência de ouvir outros pais falando sobre suas histórias e erros e acertos foi um divisor de águas para Melina. Os encontros são a cada 15 dias e incluem pessoas de diferentes idades. Ela os frequentou por cerca de dois anos. 

A solução encontrada para conter o filho foi encher a rotina dele com atividades físicas e na escola.

Hoje o rapaz tem 16 anos. Ainda joga, mas menos do que antes. Só não pode ir mal na escola. “São os pais que devem colocar ordem. Quem paga a internet somos nós. Mas, quando você está dentro da situação, tem medo da reação do filho”, diz ela.

Crianças e adolescentes são mais suscetíveis a desenvolver dependência tecnológica, porque o córtex pré-frontal, parte do cérebro ligada ao controle dos impulsos e concentração, ainda não está completamente formado, explica o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo da USP. 

Ele conta que já houve casos de pacientes no Instituto de Psiquiatria que urinavam nas calças e não dormiam porque não conseguiam abandonar os jogos. Um deles ficou conectado por 55 horas. “Não tem mais ‘game over’. Se você sai do jogo, desassiste colegas e sofre represálias”, diz. 

O jogo libera dopamina no cérebro, substância que dá sensação de prazer e bem-estar, explica a psicóloga Anna Lucia King, fundadora do Instituto Delete, núcleo especializado em “detox” digital da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O cérebro aprende de onde obteve as sensações e quer voltar a repetir o comportamento. “O jogo foi feito para viciar. E as redes sociais são como um joguinho —ganhar uma curtida é como ganhar a etapa de um jogo. Dá muito prazer”, explica a especialista. 

A engenheira Letícia Ribeiro, 27, decidiu limitar o tempo de uso das redes sociais com a ajuda de uma ferramenta. Só pode usá-las por duas horas ao dia. Aos fins de semana, o limite aumenta para três horas. 
 “Chego em casa, deito na cama e, quando vou ver, já estou há horas no Instagram”, conta ela, que estava deixando de fazer outras atividades, como ir à academia. “Dá um sentimento de culpa, de que não fiz nada do que planejei.”

Ribeiro costuma estender um pouco o limite (existe uma função “soneca”), mas diz que hoje tem mais controle sobre o uso do aparelho. 

As redes se valem da ciência da persuasão para que o usuário fique o maior tempo possível nelas, explica Nabuco. “A interação com a plataforma se torna mais prolongada do que havia previsto inicialmente”, diz. 

A advogada Ana Luisa Guerra, 31, adotou uma tática diferente: apaga o Instagram de tempos em tempos no celular e faz promessa para não usar. “Se baixar, terei que doar dinheiro para uma instituição de caridade”, diz. 

Para ela, as redes geram um efeito duplo. “Suprem a ansiedade, a carência e a solidão, mas também geram tudo isso”, afirma. “Temos que ser inteligentes na hora de escolher quem seguir. Procuro conteúdos que me fazem bem.”

Ansiedade, depressão e fobia social são algumas das consequências do uso excessivo de tecnologias, segundo os especialistas.

“Há milhares de anos, o homo sapiens vivia em grupos de poucas pessoas, no qual havia um macho alfa no topo da pirâmide”, diz Nabuco. “Hoje, você vê 500 machos e fêmeas alfa na rede sociais, todos fazendo algo incrível.”

Com isso, explica, o cérebro é provocado a corresponder à demanda. E vem a ansiedade. O resultado são postagens e atualizações em excesso. Segundo a OMS, o Brasil é o país mais ansioso do mundo. 

Deixar de fazer atividades da rotina, usar o celular em todos os lugares, ficar irritado quando não há sinal, noites mal dormidas, distração e ansiedade ao não postar são alguns sinais indicativos de que há um exagero no uso.

Em alguns casos, é considerado vício. Mas, em outros, é apenas falta de educação e etiqueta digital, diz King, autora de um livro sobre o assunto. 

Neste ano, a Google apresentou uma iniciativa curiosa para promover o “detox” digital: o Paper Phone, espécie de agenda de papel que tem informações como contatos, jogos e previsão do tempo impressas. Nada de telefone. 

“Detox não é se livrar da tecnologia, mas usá-la de forma sensata. Há um portal de possibilidades nas mãos”, diz Nabuco. “É preciso fazer com que ela me sirva, e não eu a ela.”

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