Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Gestão renovada salva botecos tradicionais perto do fim no RJ

Novos donos e cardápios reformulados trazem clientes de volta aos bares

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Rio de Janeiro

O Waze emite um aviso sonoro quando o Uber se aproxima do bar Velho Adonis: “Entrando em área com risco de crime.” Benfica, na zona norte do Rio, é uma antiga zona industrial feia, poeirenta e encardida. Suas ruas interligam algumas das favelas mais encrencadas da cidade, como Jacarezinho, Mangueira, Barreira do Vasco, Rocha, Manguinhos e Arará.

Mesmo assim, cariocas de bairros mais pacíficos encaram o risco para lotar o Adonis e se fartar da melhor comida portuguesa do Rio na atualidade. O movimento de pessoas até melhorou as condições de segurança do lugar: desde que foi reaberto, em meados do ano passado, o bar não teve nenhuma ocorrência policial.

O responsável pelo improvável fenômeno não veio do Alentejo nem de Trás-Os-Montes, apesar de jurar amor pela camisa do Vasco da Gama. João Paulo Campos é cearense de Reriutaba e teve uma carreira meteórica em restaurantes de luxo antes de descobrir o talento para gerir botecos.

João fez renascer um bar em frangalhos.

Em outras partes da cidade, outros hábeis gestores também ressuscitaram defuntos. Casos exemplares são o Nova Capela, na Lapa (centro), e a Adega da Velha, em Botafogo (zona sul).

O Nova Capela é um daqueles lugares que o boêmio carioca, irreverente de resto, resolveu sacralizar. 
Está na Lapa desde 1903 e se tornou ponto de convergência dos elétrons livres da alta madrugada, que apareciam para tomar canja e comer o municipalmente famoso cabrito com arroz de brócolis.

O cabrito —que, aliás, sempre foi cordeiro— foi se ressecando na mesma proporção em que a frequência minguou no Nova Capela. 

Quando os rumores de fechamento chegaram à crônica social carioca, coisa de um ano atrás, Antônio Rodrigues entrou em ação.

Antônio, outro cearense ralador, já havia transformado o Belmonte —antes um botequim fuleiro no Flamengo— na maior rede de bares limpinhos e cheirosos do Rio. 

No Nova Capela, ele pôs a cozinha nos trilhos. Deu um tapa discreto no ambiente (o banheiro deixou de ser cenário de pesadelo). O cordeiro, ops, cabrito (R$ 95, para dois) voltou magnífico, úmido e nadando em alho frito. A freguesia retornou.

No caso da Adega da Velha, os salvadores vêm da família Rabello —cariocas que geraram o monstro Galeto Sat’s.

Sérgio Rabello pegou uma galeteria mediana em Copacabana e estabeleceu padrões de excelência mundial em coração de frango (R$ 34,40) e pão de alho (R$ 14).

A metamorfose se repete na Adega da Velha, casa de comida nordestina que é gerida pelos Rabello desde setembro de 2018. O ambiente foi restaurado de forma discreta, mas determinante. “O salão foi climatizado com ar-condicionado, o que é muito importante no Rio de Janeiro”, conta Raoni, filho de Sérgio, com carreira em administração hoteleira.

Um dos desafios de Raoni foi preservar a parede azulejada do salão, da década de 1960, com várias peças quebradas. “Rodei a cidade toda atrás daqueles azulejos”, diz Raoni. Quando estava prestes a encomendar cópias, descobriu o que procurava no prédio em que mora. “Uma parede havia sido derrubada recentemente, e havia uma sobra daqueles azulejos.”

A Adega fica numa região repleta de escritórios, o vale do Silício botafoguense. O investimento de Raoni foi direcionado para os pratos individuais para o almoço, o happy hour e a locação do espaço para eventos corporativos, as festas da firma. Clássicos como a carne-de-sol com mandioca (R$ 57) se mantiveram. 

Já o Adonis não tem uma localização tão privilegiada: sobrevive na Gaza benfiquense. 

Estive lá pela primeira vez em 2018, antes da troca de gestão. O cardápio grudava na mão, de tão ensebado; o banheiro estava infestado de insetos ortópteros vulgarmente conhecidos por baratas; as mesas, quase todas desocupadas no almoço de sábado. O botequim, referência em bacalhau desde 1952, ficou de fora de um guia que eu preparava para um grupo de restaurantes paulistas. Não havia a menor condição de entrar.

A salvação chegou pelas mãos de João Paulo Campos, já então um importante empreendedor botequeiro na vizinhança. A Casa do Galeto, no bairro do Jacaré, era um caso de sucesso estrondoso que não repercutiu no Rio dos bem-nascidos —lugar que João conhece muito bem.

Ele chegou do Ceará sem grandes qualificações para ser ajudante de garçom no finado Antiquarius, no Leblon, símbolo de comida portuguesa excelente e caríssima. 

Em menos de um ano, foi promovido a maître. Depois recepcionou os clientes do Fasano Al Mare, na avenida Vieira Souto. Chamado para trabalhar em Angola, ganhou muito dinheiro, mas perdeu quase tudo na farra quando voltou para o Brasil. Então decidiu empreender.

Para montar a cozinha do Adonis —rebatizado como Velho Adonis—, João desfalcou a alta cozinha de Ipanema. Chamou outro Antônio Rodrigues, outro migrante do noroeste do Ceará.

O Antônio em questão havia trabalhado por 26 anos como chef de cozinha do Satyricon, tido como o melhor dos melhores em frutos do mar no Rio.

A fórmula Antiquarius + Fasano + Satyricon + Ceará + Adonis resultou no melhor e mais barato bacalhau que se pode comer no Brasil.

Para dessalgar as toras de peixe seco, Antônio as deixa de molho por cinco a seis dias em água com cubos de gelo. Somado o gelo usado para resfriar a chopeira, o bar consome 80 sacos de 20 kg por semana.

Os preços são um convite à esbórnia. Para quatro pessoas, o bacalhau à portuguesa (cozido, com batatas, brócolis, ovos, azeitonas, couve, uma montanha de alho frito e um oceano de azeite) custa R$ 180. O cardápio ainda tem o indecente polvo com bacon (R$ 28,90), as boas e velhas empadas (R$ 5,90) e uma dobradinha capaz de converter incréus (R$ 68,99, para dois).

A chopeira do Velho Adonis ostenta uma torneira que está lá há 67 anos. Durante a reforma, a peça foi roubada. João Paulo surtou e só voltou ao normal depois de recuperar a criança em um ferro-velho.

Caro(a) leitor(a): espero que você encontre na vida alguém que te ama tanto quanto o João ama seu boteco.

Onde ficam

Velho Adonis 
R. São Luís Gonzaga, 2256, Benfica. Tel.: (21) 2026-4086

Adega da Velha 
R. Paulo Barreto, 25, Botafogo. Tel.: (21) 2286-2176

Nova Capela 
Av. Mem de Sá, 98, Lapa. Tel.: (21) 2252-6228

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