Moradores antigos de bairros resistem a mudanças de perfil

Renascimento hipster no centro ajuda restaurante mais antigo de São Paulo

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São Paulo

O Carlino, restaurante mais antigo de São Paulo, deve voltar a abrir para o jantar. A rua Epitácio Pessoa, no centro, já não parece mais tão perigosa à noite como era até pouco tempo atrás, quando furtos, assaltos e prostituição espantavam os clientes.

Fundado em 1881, como atesta placa da prefeitura na parede, o estabelecimento viveu um terço dos 466 anos que São Paulo completa neste sábado (25) e viu a cidade se transformar inúmeras vezes —regiões outrora glamurosas se degradaram, áreas abandonadas recuperaram o glamour e onde nunca se imaginou de repente se ergue um prédio.

De frente para a badalada lanchonete Hot Pork e para a Sorveteria do Centro, que enchem a rua até o começo da madrugada, e a poucos metros da casa noturna Tokyo, com filas a qualquer hora da noite, a gerente do restaurante, Bianca Marino, 30, só vê vantagem nesse movimento. 

Bianca Marino, gerente do restaurante Carlino, o mais antigo de São Paulo
Bianca Marino, gerente do restaurante Carlino, o mais antigo de São Paulo - Adriano Vizoni - 22.jan.2020/Folhapress

“Aqui era perigoso, o restaurante ficava escondido. Agora o público está renovado, a região é muito mais iluminada, a rua está cheia. E não paramos no tempo: renovamos o cardápio, temos pratos executivos, cardápio infantil”, diz ela.

O Carlino não é o único representante de outra época no novo enclave hipster do centro da cidade, que nos últimos dois anos ganhou restaurantes como o Sertó, o Modernista Coffee Stories e o La Guapa, além de lojas modernas como o Galpão do Jardim Secreto, o Nó e o brechó B.luxo.

A região tem locais como a Aerobrás, loja de aeromodelismo fundada em 1943. Um drone na vitrine não dá a dimensão da viagem no tempo que é o local, com réplicas de aviões como o 14-Bis e brinquedos fabricados há mais de 70 anos. 

“Hoje a criança quer diversão mais imediata, e por isso pega o celular, não se interessa pelo aeromodelismo”, diz Antônio, como é conhecido Issamu Terumoto, 90, que atua desde os anos 1950 na Aerobrás.

A loja fica de frente a murais de grafite em empenas de prédios, no projeto conhecido como Aquário Urbano. “Quando é mais artístico, assim, não vejo mal. Mas pichação é uma degradação feia”, afirma ele.

Alguns quarteirões para baixo, na mesma rua, há 45 anos Valter Barroso Batista, 75, cria sapatos sob medida na Calçados Busso, loja fundada em 1915, com calçados a R$ 2.200 e cartela de clientes que vai de políticos a artistas de TV.

O agito do bairro é interessante, diz ele. “É coisa boa, mas não faz diferença para a gente. Somos loja de outra época. Antes, fazíamos 45 sapatos por semana. Hoje, faço 5.”

A recuperação comercial e imobiliária da região escancara desigualdades da metrópole. Dentro dos badalados bares, paga-se R$ 30 por um drinque, mas do lado de fora pedintes reviram latas de lixo em busca de algo para comer. 

Numa manhã de janeiro, um morador de rua abria o lixo de uma balada procurando por latinhas para vender num ferro velho a dois quarteirões dali. “Hoje tá fraco, só bebem em garrafa de vidro”, reclama.

Mas São Paulo muda além do centro; quem vê os antigos galpões da Mooca se transformarem em condomínios de luxo percebe isso, como perto da linha do trem ou do parque da Mooca, que pegaram o rescaldo do boom imobiliário de Tatuapé e Anália Franco.

Claudio Bernardes, ex-presidente do Secovi (sindicato do setor imobiliário de SP), diz que “há regiões da cidade que chamam a atenção, do ponto de vista da ambiência urbana, mas às vezes isso não está coadunado com uma lei de zoneamento que te permite construir ali”, afirma. Com o Plano Diretor Estratégico de 2014, algumas regiões se valorizaram, diz ele.

Isso aumentou a verticalização em regiões como a av. Rebouças ou o entorno da estação Vila Madalena do Metrô, por exemplo, na zona oeste. 

Mas “o que é a cidade, senão as pessoas?”, perguntava o dramaturgo inglês William Shakespeare na tragédia “Coriolano”, do século 17; e os moradores antigos resistem a mudanças.

Ivanize Azevedo, 63, é mooquense. Ela, seu pai e sua filha nasceram na Mooca. Dona de um café e de uma loja, diz não ser contra a chegada de moradores, “mas quero que venham respeitando a cultura do bairro, a nossa linguagem o nosso modo de viver”. 

Para os antigos moradores, a mudança no bairro trouxe mais violência. Ivanize, por exemplo, só entra em casa, à noite, após checar em um grupo de mensagens de moradores do bairro, o Vigia Mooca, se há algo estranho na região.

Desde que a estação Tucuruvi foi aberta, há mais de duas décadas, e com a construção do Shopping Metrô Tucuruvi, o perfil da região, na zona norte, mudou, diz o jornalista Jânio Pires, 60, que mantém a página Tucuruvi Antiga, com fotos do bairro de outrora.

“O progresso tem um preço, e o crescimento desordenado causa problemas de violência, trânsito, sistema de esgoto”, diz ele, que escreveu em 1983 um livro sobre a história do Tucuruvi. 

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