Descrição de chapéu Coronavírus

Cidade com maior incidência de coronavírus do país tem fila da Caixa ao lado de hospital de campanha

Com mais mortos do que sete estados, Manacapuru (AM) tem apenas 3 respiradores improvisados

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Fabiano Maisonnave Edmar Barros
Manaus

Assim como em vários lugares do Brasil, uma fila demorada se formou, ao longo de toda a sexta-feira (24), diante de um posto da Caixa Econômica Federal em Manacapuru (AM) para a retirada do auxílio emergencial.

A diferença é que a aglomeração estava a 15 passos da entrada do hospital de campanha para tratar pacientes da Covid-19. E que Manacapuru, a 98 km de Manaus, registra, de longe, a maior taxa de incidência do novo coronavírus no Brasil.

A algumas quadras dali, na avenida principal, a multidão era várias vezes maior. Parecia a entrada de um show: filas intermináveis diante da Caixa e da lotérica, trânsito desviado por barreiras de metal, funcionários da prefeitura tentando organizar a multidão e vendedores ambulantes.

“Os meus filhos passaram a noite jogados nesse papelão”, diz a dona de casa e beneficiária do Bolsa Família Maria Rosilene de Souza, 52, apontando para os degraus na entrada da casa lotérica. O dois adolescentes, de 14 e 16 anos, chegaram às 19h da véspera para guardar lugar.

Em ambos os locais, a maioria usava máscaras, mas sem manter a distância recomendada de 1 m das outras pessoas. No hospital de campanha, quando uma ambulância chegou para deixar um paciente, as pessoas se aproximaram ainda mais da entrada para acompanhar a cena.

O comércio está apenas parcialmente fechado. Não é difícil encontrar bares e lojas abertas —em uma delas, um manequim usava máscara. Para reforçar o isolamento, a prefeitura determinou um toque de recolher das 20h às 6h, à exceção de quem dorme na fila da Caixa e da lotérica.

Com transmissão comunitária acelerada, Manacapuru registra 416 casos de coronavírus a cada 100 mil habitantes. Em segundo e em terceiro lugar, estão outras cidades do interior do Amazonas: Iranduba (238 por 100 mil) e Carauari (223 por 100 mil)

Em quarto lugar, aparece a primeira cidade fora do Amazonas. Fortaleza (CE), com 214 registros por 100 mil moradores.

O cálculo da Folha foi feito a partir da população estimada desses municípios para 2019 e das notificações de casos das secretarias estaduais de Saúde até quarta-feira (29).

Em números absolutos, Manacapuru acumula 405 casos confirmados e 24 mortes. Com 97 mil habitantes, o número de óbitos na cidade supera o de sete estados do país (AC, MT, MS, RO, RR, SE e TO) e empata com o Piauí.

Dos 62 municípios do Amazonas, 49 já registraram coronavírus, entre os quais São Gabriel da Cachoeira, a cidade com maior população indígena do país. A grande maioria só é acessível de barco ou de avião, como Carauari, no rio Juruá, a 790 km de distância de Manaus, a única cidade do estado a contar com leitos de UIT.

Há cerca de duas semanas, o sistema público de saúde de Manaus colapsou, e só há vagas em caso de alta de pacientes ou se morte. Várias prefeituras já relatam mortes de infectados que não puderam ser transferidos para a capital.

Diante do posto da Caixa, beneficiários do auxílio emergencial observam a chegada de paciente ao hospital de campanha de Manacapuru (AM)
Diante do posto da Caixa, beneficiários do auxílio emergencial observam a chegada de paciente ao hospital de campanha de Manacapuru (AM) - Fabiano Maisonnave/Folhapress

"Se a Covid-19 se interiorizar com força, se o pico não chegar rápido a um declínio, você vai ver como vai morrer gente nesse interior. Não tem para onde mandar”, diz o secretário de Saúde de Manacapuru, Rodrigo Balbi. “Estou a 1h30 de carro de Manaus. E quem depende de avião?”

Sobre a aglomeração próxima ao hospital de campanha por causa do posto da Caixa, Balbi admitiu que "existe um risco eminente” no local: "Se é uma falha nossa, teria de ver se existe um mecanismo legal de fazer isso [fechar o posto]”.

Respiradores inadequados

Manacapuru é o único município do interior do Amazonas com hospital de campanha. Montado em um prédio diante do hospital municipal, tem 25 leitos. Treze leitos estavam ocupados na sexta, quando a reportagem visitou a cidade.

O local conta com apenas três respiradores, todos de transporte. O equipamento deveria ser usado apenas de forma temporária, e não em pacientes internados, como ocorre ali.

Entre quinta e sexta, três pacientes de Covid-19 que esperavam transferência para Manaus morreram. Todos foram enterrados às pressas, dois na madrugada, em uma fila de covas no cemitério municipal aberta para vítimas da doença.

Como Manacapuru não dispõe de UTI móvel, o município não pode transportar até capital, diz o secretário de Saúde.

“Se eu levo uma pessoa dessa pra Manaus em uma ambulância [comum], é possível que eu seja acusado de negligência ou de imperícia. Eu mesmo poderia estar colaborando com a morte desse paciente”, afirmou Balbi, 41, que é psicólogo e está há um ano no cargo.

Sobre a ajuda para o município, o secretário disse que houve repasses federais e estadual que, somados, chegam a R$ 1,7 milhão. Com o dinheiro, a prefeitura mantém o hospital de campanha e contratou cem profissionais de saúde, reforçando a equipe de mil funcionários da Secretaria.

Via assessoria de imprensa, a Secretaria de Saúde do Amazonas confirmou que os três mortos estavam aguardando transferência. Sobre um dos casos, informou que a remoção havia sido autorizada às 8h47 da quinta-feira e que ele morreu 13 minutos depois da decisão, às 9h. Também disse que espera a chegada de novos respiradores ao estado para substituir os que estão em Manacapuru.

A cidade também está na contramão na testagem do novo coronavírus. Desde quarta-feira, a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do governo estadual restringiu os testes nos municípios apenas para contactantes sintomáticos, ou seja, pessoas que tiveram contato com um caso confirmado e que apresentaram sintomas da Covid-19.

Segundo Balbi, cerca de 500 testes enviados de Manacapuru a Manaus estão à espera do resultado, que tem demorado cerca de uma semana para ficar pronto.

Até então, o município também estava enviando amostras de parentes de infectados assintomáticos. A FVS justificou que os testes moleculares, mais precisos e só realizados em Manaus, são insuficientes para atender à crescente demanda e que enviou 500 testes rápidos para Manacapuru.

“Todos os países bem-sucedidos contra essa pandemia foram os que mais testaram. Islândia, Coreia do Sul, todos testaram muito”, afirma a demógrafa brasileira Marcia Castro, do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos EUA.

“Simplesmente, não tem como controlar a epidemia se não testar, se não tiver um sistema de rastreamento de contato e se não isolar ninguém. Você está esperando todo mundo ficar infectado, até que, finalmente, numa transmissão viral, não haverá mais pessoas suscetíveis.”

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