Nos últimos anos, Ronaldo Bellotti frequentava um desses pequenos redutos de samba de verdade na Bela Vista, na capital paulista. Na Toca da Capivara, seu Maloka ou Magrão, como o chamavam, fazia o surdo e o tamborim falarem mais alto. Essa percussão solene está agora em silêncio.
Bellotti foi internado no dia 25 de março no Instituto do Coração (Incor) e depois transferido para o Hospital das Clínicas, em São Paulo (SP), onde morreu na segunda-feira, 6, em decorrência do novo coronavírus.
O músico passou 10 dias na UTI. Segundo relato enviado a amigos por áudio antes da internação, sentiu persistente febre e dor de cabeça.
Aos 61 anos, ele deixa uma filha, Elis Guanaes Bellotti, e a atual companheira Guta Amaral.
Magrão dava aula de basquete no Esporte Clube Sírio quando resolveu tentar a sorte como músico em Salvador (BA), atraído pela sonoridade da batucada. Não deu certo e chegou a se mudar para a favela.
De volta à sua terra natal, passou a tocar no circuito de bares, como os da Vila Madalena. O músico frequentava nas tardes de sábado, com seu inseparável tamborim, a roda de samba do Bar do Bilú, no Butantã, antigo encontro de sambistas, em meados dos anos 1990.
Com o fim do bar, houve uma dispersão geral do movimento do samba paulistano. Magrão seguiu seu caminho de cantor e batuqueiro, tocando em vários lugares na noite. Desenvolveu ainda projetos como educador social.
Um dos locais onde ele tinha presença constante foi o tradicional choro da praça Benedito Calixto, em Pinheiros. Com o nome artístico de seu Maloka, cantava e impunha habilidade e força no instrumento.
Ex-jogador e técnico de basquete, especializado em educação comunitária, tornou-se coordenador de esporte em centros da prefeitura de 2000 a 2007 e também da Associação Craques de Sempre, projeto voltado à inclusão social.
Sua metodologia de trabalho reunia a prática esportiva e a música. Misturava o basquete com a dança, propondo desenvolvimento físico e mental a crianças e adolescentes.
Bellotti tinha como objetivo fazer o basquete ir além da atividade física, ser fonte de conhecimento da cultura popular com o uso de ritmos diversos durante uma partida, como toque da bola no chão e o drible. O esporte, no fundo, demanda coreografia, dizia.
O músico seu Maloka fez do surdo a sua síntese e inspiração. Buscava a profundidade rítmica nas raízes africanas.
Viveu tocando nos bares, percorrendo a noite. Era um típico artista, de vida muito simples, mas de bastante ideal. Personagem da cidade, Bellotti não tinha preocupação com o amanhã, mas não perdia de vista a atenção ao momento com suas ações comunitárias.
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