Trabalho sexual também vai para o home office

Transmissões de conteúdo íntimo ao vivo pela internet atraem mais gente

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Gabrielle Drolet
The New York Times

Quando trabalhava fazendo strip-tease no Oregon (noroeste dos EUA), Kelpie Heart sempre pensou em levar o trabalho para a internet. Então a pandemia do coronavírus causou o fechamento de bares e ela se viu desempregada.

No mês passado, Heart começou a fazer apresentações de casa, em um show ao vivo por semana. Enquanto 16 milhões de pessoas nos Estados Unidos pediram auxílio-desemprego nas últimas três semanas, um grande número delas, como Heart, buscou um novo trabalho em transmissões ao vivo de conteúdo sexual explícito. Como quase a metade do mundo está de alguma forma sob ordens de isolamento, esses profissionais também estão vendo um grande crescimento no número de clientes.

Heart se apresenta na CamSoda, um de muitos sites de webcam, ou "camming", que transmitem programação ao vivo na internet. Geralmente chamadas de "cam models", essas pessoas podem se despir ou dançar diante da câmera enquanto os espectadores enviam mensagens. As "artistas" trabalham por gorjetas, para cumprir as leis que regulamentam o trabalho sexual.

Isolamento social e desemprego fazem pessoas procurarem trabalho como modelos de câmera na internet
Isolamento social e desemprego fazem pessoas procurarem trabalho como modelos de câmera na internet - carol_anne/Adobe Stock

Daryn Parker, vice-presidente da CamSoda, disse que houve um aumento de 37% na contratação de novas modelos em março, em comparação com esse mês em 2019. No mesmo período, Bella French, cofundadora e CEO da ManyVids, outro site de "camming", disse que as contratações aumentaram 69%. Esse crescimento é acompanhado pelo recente influxo de novos espectadores. Na CamSoda, esse número duplicou neste ano, comparado com o início de 2019, segundo a empresa.

Mas esse crescimento nem sempre significa mais dinheiro para as modelos. Mileena Kane, 24, modelo popular na CamSoda, disse que as pessoas pensam que ela está ganhando dinheiro fácil agora. Embora tenha notado novos espectadores, suas receitas estão paradas. Na experiência de Kane, os novos espectadores não dão tantas gorjetas quanto fariam antes. Cada site ganha uma porcentagem das gorjetas.

"Estou conhecendo um monte de gente nova a mais do que normalmente, mas não há muito mais dinheiro", disse Kane.

A vida de 'cam model'

Antes da pandemia de coronavírus, algumas modelos também participavam de outras formas de trabalho sexual, como strip-tease, pornografia e serviços de acompanhante. Outras trabalhavam em bares à noite e faziam camming quando tinham tempo. Algumas tinham empregos em escritórios.

Agora muitas têm só um emprego. E para as modelos que se apresentam em tempo integral, o trabalho pode ser muito cansativo. Kane se apresenta durante 12 horas por dia, quase todos os dias do ano, segundo disse, e só tirou dois dias de folga no ano passado. Embora essa agenda seja exaustiva, ela disse que vale a pena.

"É algo que faz parte de ser uma empresária", disse Kane. "Estou tentando trabalhar o máximo que eu puder enquanto sou jovem, para não ter de trabalhar depois." Kane, que se diz uma "camholic", apaixonou-se pelo serviço depois que se tornou independente. Durante as longas transmissões, ela dá prioridade ao conforto: usa pijama, come salgadinhos e dança.

A economia do 'camming'

O sexo online, em geral, parece estar em ascensão. O site OnlyFans, no qual as pessoas se inscrevem para ver imagens e vídeos do tipo que não pode ser mostrado no Instagram, relatou um aumento de 75% nas assinaturas em geral —3,7 milhões de novos clientes no último mês, com 60 mil deles sendo novos criadores.

O negócio de assinaturas, porém, é muito diferente da receita baseada em gratuidade. Em sites como CamSoda, as gorjetas geralmente estão ligadas a "recompensas" para os espectadores. Por exemplo, se alguém paga um certo número de fichas —os sites costumam criar moedas próprias, e neste caso cada ficha vale US$ 0,05—, a modelo pode tirar uma peça de roupa ou realizar um ato sexual.

Muitas modelos também suplementam a renda em sites de assinaturas como OnlyFans ou Patreon, onde vendem fotos e vídeos.

French, que também já foi modelo de câmera, criou o ManyVids para oferecer vários canais de renda para as modelos. Por exemplo, há uma seção separada com uma loja, onde as modelos podem vender artigos de roupa que usaram. Remi Ferdinand, 30, que trabalha como stripper e cam model, disse que é uma de suas plataformas preferidas por esse motivo.

A maioria das modelos estabelecidas que falaram ao The New York Times pintaram uma imagem coerente: com o tempo, elas formam conexões estáveis com seus clientes regulares, o que as faz superar financeiramente os tempos difíceis.

Mas algumas, como Betsy, 32, e Raie, 33, um casal britânico que se apresenta junto no site Chaturbate, disseram que apesar de terem um grande número de novos clientes, ultimamente não estão recebendo mais gorjetas.

"Acho que as pessoas não estão só acumulando papel higiênico, mas também dinheiro, porque ninguém sabe quando vai receber seu próximo pagamento", disse Raie.

O casal está junto has quase dez anos, casados há seis e se apresentando há três. Raie geralmente faz trabalho avulso como cozinheiro e maquiador, mas os dois empregos pararam por causa da pandemia. O casal hoje conta com as apresentações de camming como única fonte de renda. Entretanto, sente-se relativamente seguro, porque se destaca de outros modelos: Betsy é trans e Raie é cisgênero.

Ferdinand, que também fez trabalho sexual durante a recessão de 2008, sente-se estável e feliz trabalhando em casa. Mas se declara insegura quanto ao futuro. "Sempre que há um problema financeiro, qualquer coisa que é considerada um serviço de luxo sempre é a primeira a sofrer um golpe", disse ela.

Influxo de novas modelos

Cecilia Morrell, modelo de câmera em Toronto, no Canadá, disse que o aumento repentino de novas modelos torna as coisas difíceis para as mais antigas. "Há sempre um grande número de pessoas que tentam entrar nesse setor, e isso satura muito o mercado", disse Morrell, 21.

Valentine, uma trabalhadora sexual em Portland, no Oregon, está preocupada que as pessoas que nunca trabalharam com sexo e começam a fazer camming não considerem o contexto sociopolítico do trabalho.
"Claro, faça isso, crie o OnlyFans, comece a transmitir —mas isso significa que você tem de apoiar os trabalhadores sexuais o ano todo", disse Valentine, que não quis dizer sua idade. "Você não pode apenas entrar e sair do setor porque acha que é fácil e depois nos jogar fora."

Valentine disse que as pessoas que entram no segmento devem esperar invasões de privacidade, interações potencialmente perigosas com clientes e leis que não foram feitas para protegê-las. Ela disse que espera que as que estão entrando em cena agora se instruam sobre esse mundo.

Mesmo hoje, enquanto sistemas são implementados para ajudar os americanos cujo trabalho foi afetado pelo coronavírus e a recessão relacionada, qualquer pessoa que ganhe dinheiro com "apresentações ao vivo de natureza sexual" é expressamente proibida de se inscrever no programa do governo de socorro às pequenas empresas.

Enquanto muitos brincam que dar o salto para ser modelo de camming é sua melhor opção hoje, modelos como Valentine esperam que no mínimo mais diálogos gerem maior entendimento e respeito pela profissão.

"A ideia de que todas as trabalhadoras sexuais ganham muito dinheiro não é verdadeira —ou que estamos simplesmente mostrando nossos corpos e não temos integridade nem cérebro", disse ela. "Na verdade, é muito mais que isso. Somos pessoas também."



Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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