Descrição de chapéu Coronavírus

Barrados na balsa, moradores e veranistas tentam entrar em Ilhabela

Prefeitura negou acesso a 10 mil pessoas; há quem use botes e pranchas para a travessia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Reginaldo Pupo
São Sebastião (SP)

Fabiana Villas Boas Frediani, 40, residente há seis anos em Ilhabela, litoral norte de São Paulo, saiu do bairro Barra Velha para participar de um curso em São Paulo. Mas desde o último dia 21 de março, diz ela, não consegue mais retornar para casa.

Por causa da pandemia do novo coronavírus, a Prefeitura de Ilhabela impôs restrição para acesso à balsa na travessia para o continente. Quem precisa do transporte tem de fazer um cadastro no site.

Desde o início da restrição, foram barradas cerca de 10 mil pessoas que tentaram o cadastro. A medida, segundo a administração, é para tentar evitar a disseminação do novo coronavírus e não sobrecarregar o sistema de saúde do município.

Área destinada a embarque para pedestres na balsa para Ilhabela, após bloqueio de entrada de turistas, em março
Área destinada a embarque para pedestres na balsa para Ilhabela, após bloqueio de entrada de turistas, em março - Caio Gomes - 20.mar.2020/Tribuna do Povo

Por conta do decreto, há necessidade de autorização da prefeitura para entrar na cidade, com exceção de veículos de emergência e de serviços essenciais. Basta apresentar o documento de permissão aos funcionários da Dersa, empresa estatal que é a responsável pelas travessias no litoral paulista.

Mas muitos dos moradores e veranistas que possuem segunda residência em Ilhabela vêm se queixando de que as autorizações estão sendo negadas, mesmo com a comprovação de moradia no arquipélago, um dos critérios exigidos pela medida.

Fabiana Frediani diz que realizou três tentativas para voltar para casa, sem sucesso, e que está desde então em São Paulo em casas de amigos e parentes.

“Apresentei todos os documentos que me exigiram, como título de eleitor, cartão do SUS, carteira de motorista, contrato de locação com mais de dois anos e até minhas redes sociais, mas, mesmo assim, minhas solicitações foram negadas. Desisti."

Além das solicitações reprovadas, moradores reclamam da demora no atendimento. As autorizações precisam ser pedidas por meio de um site criado pela prefeitura.

No primeiro acesso, os interessados preenchem um cadastro com dados pessoais e informam o motivo do ingresso na cidade. Após essa etapa, o sistema, que funciona 24 horas e promete responder os pedidos em 30 minutos, retorna a solicitação exigindo os documentos comprobatórios.

Mas o engenheiro naval aposentado Antônio Lopes, 77, disse que sua solicitação levou três dias para ser aprovada. “Precisei fazer o pedido com muita antecedência já prevendo a demora, pois tenho consultas médicas inadiáveis em São José dos Campos”, frisou ele, que é ex-presidente do Conselho Municipal de Saúde de Ilhabela.

Segundo a secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Ilhabela, Bianca Colepicolo, desde a vigência do decreto, em 21 de março, sua pasta recebeu 11 mil solicitações de acesso à cidade. Mas apenas cerca de mil autorizações foram concedidas a trabalhadores essenciais e para retorno de moradores que estavam fora do município. “Realizamos uma busca pelos nomes no sistema de saúde, na rede de educação e verificamos se há comprovação de trabalho em Ilhabela”, diz Bianca.

Segundo ela, há diversas tentativas de fraudes ao sistema. “A equipe de analistas olha cada pedido de forma impessoal e técnica. Já recebemos como anexo desde ofícios falsos de instituições públicas até fotos de garrafas de vinho como justificativa de travessia. Também já tivemos uma tentativa de invasão ao sistema, que foi registrada em boletim de ocorrência”.

Para burlar a restrição, há moradores e turistas fazendo a travessia para a ilha em botes, caiaques e até pranchas de stand-up paddle durante a madrugada. A manobra é confirmada pela Secretaria de Turismo de Ilhabela. Algumas saídas de botes partem da praia da Figueira, em São Sebastião, a R$ 100 por pessoa.

“A Defesa Civil tem atuado nas praias, e a Marinha, pelo mar para fiscalizar e coibir essas infrações. Qualquer foto com a numeração da embarcação, data e hora pode ser usada como denúncia”, afirma a secretária Bianca Colepicolo.

Na manhã da última segunda-feira (27), um morador tentou atravessar o canal de São Sebastião a nado para Ilhabela. Conseguiu avançar 300 metros dos cerca de dois quilômetros que separam o arquipélago do continente. Foi resgatado por uma equipe do GBMar (Grupamento de Bombeiros Marítimos), que passava pela região para abastecimento. O homem estava apoiado em um pedaço de isopor e admitiu que tentava a travessia até Ilhabela. Foi socorrido no hospital de Ilhabela e passa bem.

Diante dos retornos negativos da prefeitura, alguns moradores e veranistas estão recorrendo à Justiça. De acordo com a advogada Sara Rangel, os moradores que se sentirem prejudicados com a medida podem mover uma ação contra a prefeitura.

“A liberdade de ir e vir é uma conquista histórica sobre o arbítrio. A lei da quarentena permitiu apenas o isolamento, a separação de pessoas doentes ou contaminadas. Portanto, à luz da Constituição Federal, nossa lei maior, a prefeitura está tolhendo o direito das pessoas de maneira extremamente arbitrária”, disse.

“A maioria das pessoas com segunda residência em Ilhabela é da capital ou da Grande São Paulo, onde há maiores números de contaminados por Covid-19. A probabilidade de alguém importar o vírus para Ilhabela seria extremamente grande, comprometendo desta forma as medidas até agora tomadas para conter a propagação do vírus no município”, avalia Sylvia Boehringer, 35, membro da Amab Sul (Associação de Moradores e Amigos dos Bairros do Sul de Ilhabela), que reuniu 24 mil assinaturas em um abaixo-assinado para fechar a balsa.

Um grupo de veranistas criou recentemente o Movimento Somos Ilhabela para discutir a questão. Fóruns virtuais também foram criados para debater o assunto e, entre os participantes, está o ex-goleiro da Seleção Brasileira, Gilmar Rinaldi, que conquistou o Tetra em 1994 e que tem uma casa na praia da Pedra do Sino, no norte da ilha. O movimento somava, até a última sexta-feira (1), 249 nomes.

De acordo com projeção feita pelo IIS (Instituto Ilhabela Sustentável), existem em Ilhabela cerca de 17 mil imóveis, número que coincide com levantamento feito pelo Instituto Mackenzie com base no Plano Municipal de Saneamento Básico. Desse total, cerca de 6.000 casas são de veraneio, o que totalizaria, em média, 28 mil visitantes, além da população fixa, estimada em 42 mil moradores.

“O problema dos veranistas é que eles irão transmitir o vírus aos funcionários que trabalham em suas casas. A grande maioria [dos proprietários] contrata marinheiros, empregadas domésticas e jardineiros. Essas pessoas poderão ser contaminadas e por consequência irão transmitir ao resto da população”, diz Rosana Braga, 52, moradora de Santos que tem casa de veraneio em Ilhabela.

A secretária de Turismo diz que a maioria das críticas à restrição é infundada. “Quando a pessoa tem argumento, monta o processo com comprovantes e não fica transitando sem razão, a autorização é dada. Nós fazemos pesquisas sobre uso do sistema de saúde e outros registros no município. O que precisa ficar claro é que a estratégia de isolamento está se mostrando muito eficiente e que o objetivo não é segregar pessoas, mas desestimular a circulação”, afirma Bianca.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.