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Entrega de respiradores de Doria pode ocorrer só em setembro, diz documento

Prazo vai até dia 15, e empresa pediu adiamento; governo diz que notificou intermediária e espera produtos para este mês

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São Paulo

A conclusão da entrega dos respiradores comprados pela gestão João Doria (PSDB) prevista inicialmente para maio, depois repactuada para meados de junho, só deve ocorrer em setembro, segundo carta de uma das fabricantes chinesas.

Esses equipamentos, pelos quais o governo já pagou R$ 242 milhões, são fundamentais para criar e ampliar UTIs. A expectativa das autoridades é que o pior da pandemia já tenha passado em setembro e, assim, novos leitos não sejam mais necessários.

A Hichens Harrison, intermediária responsável pela compra, confirma que essa é a atual previsão da fábrica e diz que já fez o novo pedido de prazo ao governo paulista. Já a gestão Doria diz que notificou a empresa para o cumprimento do contrato.

Conforme a Folha revelou, esse acordo comercial (inicialmente de cerca de R$ 550 milhões) foi firmado sem garantias. Também foi feito sem um contrato formal, que tivesse cláusulas estipulando multas e sanções para descumprimento do acordo.

Segundo o Ministério Público, isso pode dificultar a aplicação de multas e até mesmo uma eventual devolução de dinheiro ao governo.

Carga de respiradores comprados pelo governo de SP em avião fretado da Azul
Carga de respiradores comprados pelo governo de SP em avião fretado da Azul - Divulgação

O prazo de conclusão da entrega em setembro está em uma carta obtida pela Folha que traz o posicionamento oficial da fabricante chinesa Eternity, responsável pela produção dos modelos SH300, que são os mais caros e compõem a maior parte dos equipamentos comprados pela gestão Doria.

Inicialmente eram 2.000 unidades e, após a repactuação, o acordo passou a prever 920 (todos já pagos). Cada um deles custou US$ 40 mil (ou cerca de R$ 202 mil).

Destinada aos intermediários da compra, a carta, assinada pelo subgerente geral da fábrica, Zhang Li Zong, diz que, em razão da grande demanda mundial por equipamentos e da limitação de sua produção diária da fábrica, a Eternity só consegue dispor de 500 conjuntos médicos ao longo dos meses de junho, julho e agosto e completaria a entrega de 1.000 ventiladores modelos SH300 em setembro.

Esse documento foi encaminhado aos interessados pela compra no início de maio, quando o governo paulista ainda mantinha a expectativa de receber as 2.000 unidades.

Pelo teor da mensagem, porém, isso não foi acordado com a Eternity —embora o governo paulista já tivesse repassado à Hichens Harrison 30% do valor total da compra e, também, US$ 14 milhões por um lote de 500 unidades que nunca chegou.

A carta qualifica o prazo para a entrega de “milhares de SH300” como curto e não realista. Nela, a fábrica diz que se esforça para atender à demanda mundial, fazendo “um bom trabalho, com a segurança adequada, para o fornecimento e entrega.”

O acordo inicial da gestão Doria era no valor de US$ 100 milhões, mais de R$ 550 milhões, e previa os 2.000 equipamentos do modelo SH300, além de 1.000 unidades do AX400, um modelo mais simples, produzido por outro fabricante chinês, comprados por US$ 20 mil (R$ 110 mil). O prazo final de entrega era ainda em maio —21 dias após o pagamento inicial, feito em abril.

Embora a carta enviada pela Eternity não conste do processo de compra, ao qual a Folha teve acesso, dias depois da informação da fábrica, a gestão Doria refez a repactuação do acordo e reduziu o pedido ao valor já pago.

O pedido foi reduzido para 920 unidades no modelo SH300, no valor total de R$ 202,4 milhões, e 360 equipamentos do modelo AX400 (R$ 39,6 milhões).

Segundo o novo acordo, assinado em 8 de maio, todos esses produtos deveriam ser entregues no próximo dia 15 de junho.

Até agora, porém, do modelo AX400, foram entregues 50 equipamentos em 29 de maio e 100 nesta terça (2); 150 deveriam ser entregues “nos próximos dias”, segundo a Hichens Harrison.

Já do modelo SH300, foram entregues apenas 133 unidades, em 25 de maio. Pelo acordo firmado, deveriam ter sido entregues 750 equipamentos até 30 de maio e outros 170 na próxima quarta (10), o que não vai acontecer, segundo a própria Hichens Harrison.

A Promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público investiga a compra realizada pelo governo paulista, ouvindo integrantes do governo e representantes da intermediária, a Hichens Harrison.

Além dos valores pagos, também estão sendo investigadas as circunstâncias da contratação da intermediária.

Conforme a Folha revelou, os R$ 242 milhões foram repassados sem nenhuma garantia, com autorização da Procuradoria Geral do Estado, em razão da urgência da compra.

Foi também pelos depoimentos que os promotores José Carlos Blat e Sílvio Marques descobriram que não foi assinado um contrato formal entre o governo e a Hichens Harrison.

A única menção a possível multa e devolução do dinheiro está na repactuação (fatura), em 8 de maio, mas também feita sem um contrato formal.

Segundo a Folha apurou, representantes da intermediária dizem que pretendem cumprir o acordo com o governo, mas dentro de prazo razoável. Se isso não for possível, devem ir à Justiça.

A Secretaria da Saúde afirma que "a aquisição atende a legislação vigente e tem, sim, instrumentos jurídicos de força contratual, inclusive com cláusulas que resguardam a compra" (leia nota abaixo).

OUTRO LADO

Procurada pela reportagem, a gestão João Doria (PSDB) disse que os questionamentos feitos pela Folha, que cita a carta enviada pela fabricante chinesa, estão baseados em “documentos defasados, considerando a repactuação da compra, conforme já é de conhecimento da Folha de S. Paulo”.

Em nota, o governo paulista diz que espera receber até junho os 1.280 aparelhos.

“Desse total, 283 equipamentos já foram recebidos e a Secretaria de Estado da Saúde mantém contato com a Hichens Harrison para recebimento integral, no prazo previsto, seguindo o compromisso de enfrentar a pandemia de Covid-19 e salvar vidas”.

Embora diga que ainda espera receber o total da compra, a gestão Doria informou já ter feito notificação “para a cumprimento do contrato”.

Ao ser questionado pela Folha sobre a informação da empresa Hichens Harrison de pedido de novos prazos, o governo paulista informou que “qualquer proposta que seja encaminhada pela empresa será analisada tecnicamente, de acordo com as necessidades do SUS de SP e com base no cenário epidemiológico do coronavírus no estado”.

Procurada, a Hichens Harrison informou que “a repactuação formal do acordo comercial com o governo de São Paulo está em negociação”. Ainda segundo nota, a empresa tem anos de experiência em importações e já fez negócios semelhantes em outras partes do mundo.

A empresa disse que foi uma opção do governo paulista não haver um contrato formal, devido à necessidade urgente da entrega dos equipamentos. O instrumento, diz nota da Hichens Harrison, “precisaria ser submetido a advogados americanos, advogados chineses e à câmara comercial arbitral de Haia”.

“Recentemente, a companhia intermediou um simples acordo de operação de leasing comercial e o contrato levou 15 meses até ser celebrado formalmente. A pandemia não permite uma operação tão morosa e burocrática.”

Em nota, o diretor de operações da Hichens, Fabiano Kempfer, afirma ainda que "representa as duas melhores fábricas chinesas de respiradores" e que os "equipamentos são de altíssima qualidade e certificados por autoridades sanitárias mundiais".

Ele acrescenta que os equipamentos estão em falta no mercado pela demanda global, sendo “notório que nenhum fornecedor tem conseguido cumprir rigorosamente os prazos contratuais”. E diz que a Hichens Harrison ”tem feito todos os esforços para agilizar as entregas e executar o pedido o mais rápido possível”.

Tanto o governo quanto a Secretaria de Estado da Saúde afirmaram, em notas, que “a aquisição prevê a devolução do dinheiro e multa de 10% sobre o valor, caso haja descumprimento das cláusulas do documento”.

Segundo o governo, “por se tratar de contrato internacional e sujeito a regramento específico, suas condições estão regulares, existindo pactuação expressa pela incidência de multa”.

“Além disso, foram requeridas garantias à luz do artigo 56 da lei federal 8.666, que institui normas para licitações e contratos da administração pública.”

A pasta da Saúde também invoca as garantias previstas pelo artigo 56 da lei federal 8.666, a Lei de Licitações, e menciona, ainda, a “proforma invoice” ou “fatura proforma” que, segundo a nota, “conforme definição do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços [...] substitui e tem o mesmo valor jurídico de contrato".

"É este documento que formaliza e confirma a negociação, desde que devolvido ao exportador contendo o aceite do importador para as especificações contidas, ação realizada neste caso”, explica a pasta.

Procurado, o governo federal informou não existir mais um Ministério da Indústria e diz que as questões estão sendo tratadas pelo Ministério da Economia, que afirma desconhecer a norma utilizada pelo governo paulista.

Ainda segundo a pasta da Economia, o governo federal segue a Lei de Licitações, que estabelece, em seu artigo 62, que "o instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação".

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