Descrição de chapéu Obituário George Francisco Gomes (1970 - 2020)

Mortes: Com as mãos no volante e boas histórias, guiava jornalistas por São Paulo

George Black salvou muitas reportagens com sua desenvoltura e acolheu a todos com seu humor

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São Paulo

“Ei, papai, fala a verdade, salvei sua pauta ou não?”

O dia já valia a pena quando você, sentado no banco do carona, ouvia isso da boca de George Francisco Gomes. “Vem comigo que você passa de ano”, ele ainda completava —o que te deixava sem alternativas a não ser se render ao seu sorriso largo.

Papai era ao mesmo tempo substantivos comum e próprio. Era a forma como ele chamava os repórteres e colegas da Folha, e como era chamado e conhecido por todos. Às mulheres, sempre respeitoso, mamãe.

Pertencia a uma classe em extinção: a de motoristas de jornal. Não era raro, ele salvava a pauta sem sair do carro. “Ei, tá vendo aquele cara ali? Falei com ele enquanto você estava lá fora. Vamos até lá, ele conhece quem você está procurando.”

retrato de homem negro, calvo de meia idade e camisa azul clara olhando a câmera de lado
George Francisco Gomes, o Papai, que por anos conduziu repórteres da Folha para todo tipo de reportagem - Folhapress

Negro, 1,80 m, 160 kg, morador da quebrada na zona sul, fazia de si mesmo um personagem que a todos seduzia. “Tá achando que o lugar aqui é barra pesada? Pô, pai (às vezes ele mandava um pai) você não viu nada. Espera até chegar no próximo”, dizia rindo.

Se tivesse que “desenrolar” com alguém quando lá chegasse, desenrolava e dava nó.

“Meu pai me ensinou o valor da amizade. Ele era super articulado”, diz a filha Nathália Cristina da Silva Gomes Apolinário, 27.

Se o jornalismo, por vezes, se parece com literatura apressada, Papai foi personagem de um sem-número de histórias por trás de centenas de reportagens (muitas delas, aliás, melhores do que as próprias reportagens).

Além de motorista, Papai era promoter de bailes. Música black, samba rock, nostalgia, suas festas reuniam até 5.000 pessoas. Nelas, era conhecido por George Black.

“Às vezes, ele me ligava no meio do dia e perguntava como eu estava. Se eu não estivesse bem, ele falava: ‘espera aí que eu tô chegando para te resgatar, filha. Era meu herói”, lembra Nathália.

Há dois anos, George trabalhava como motorista de aplicativo. Juntou economias e comprou um Ford Fiesta vermelho 2013. A pandemia do novo coronavírus, porém, reduziu drasticamente a renda da família e o obrigou a continuar suas jornadas pelas ruas.

Obeso, hipertenso e diabético, Papai não resistiu à Covid-19. Internado no hospital de Parelheiros, passou uma semana na UTI. Morreu na sexta-feira (12), aos 50 anos. Além da filha Nathalia, deixa a mulher, Adriana Archanjo da Silva Gomes, 47, o filho Jonathan Francisco da Silva Gomes, 21, os gêmeos Beatriz Cristina da Silva Gomes e Bruno Francisco da Silva Gomes, 13, e a neta Isadora, de 1 ano e 8 meses.

Sua morte foi sentida por jornalistas da Folha e tantos outros espalhados pelas redações.

Aos leitores e, principalmente, a George e sua família, minhas sinceras desculpas. Contra toda regra de objetividade do jornalismo, este é o primeiro texto que escrevo enquanto choro. ​

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