Descrição de chapéu Coronavírus

Avós na pandemia veem netos a distância e são fiscalizados por parentes

No Dia dos Avós, reuniões são reservadas a quem já estava com a família em isolamento

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São Paulo

A quarentena exigida para conter o avanço do novo coronavírus impôs medidas de distanciamento que mudaram o que, em tempos normais, damos de barato: a forma como mantemos contato com a família.

Os avós, muitos deles idosos e, portanto, parte do grupo que tem mais risco de desenvolver um quadro grave de Covid-19, teve de se adaptar a uma rotina ainda mais restrita e com pouco contato físico com outras pessoas.

Isolados com a família, sozinhos ou em casal, eles têm tido experiências diversas durante a pandemia.
Maria Alves da Silva, 66, vai fazer aniversário na segunda-feira (27), um dia depois do Dia dos Avós, mas não terá festa por conta da pandemia.

Maria Alves da Silva, 66, teve que se se afastar dos netos durante a pandemia
Maria Alves da Silva, 66, teve que se se afastar dos netos durante a pandemia - Eduardo Knapp - 23.jul.2020/Folhapress

A filha mora em outra casa do acampamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) Comuna da Terra Irmã Alberta, na zona norte de São Paulo, e até propôs um churrasco. A ideia era chamar o núcleo familiar mais próximo, “senão o povo do bairro fica sabendo e aparece todo mundo”, diz Maria.

Filhos e netos a visitam aos fins de semana, mas ficam em uma casa separada da usada pela avó. Mantêm, assim, o distanciamento social recomendado. “Eles dizem: vó, não vamos aí [na sua casa] porque você não vai deixar a gente te abraçar”, conta.

Ela vive sozinha e mora no acampamento desde 2002, onde planta hortaliças, frutas e cria galinhas. Segundo Maria, o acampamento não registrou nenhum caso do vírus. Foram implantadas medidas sanitárias e suspensos os eventos com gente de fora.

Apesar das medidas de distanciamento, Maria diz não se sentir isolada, porque a comunicação por telefone e WhatsApp com filhos e netos até aumentou devido à separação física. “São muito carinhosos”, diz.

Do outro lado da cidade, Maria Eliza Nagy Fiore, 79, mora sozinha em uma casa em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.

Ela conta que há dois anos os seis netos perderam o avô e choram de saudades até hoje. Esse é um dos combustíveis para ela ficar longe deles durante a quarentena. “Eles não merecem passar por isso de novo”, diz Maria Eliza, que mora sozinha.

Ela define que, hoje em dia, “ficar longe da família é sinal de amor”, mas admite que a falta da convivência é difícil. A primeira coisa que ela quer fazer quando reencontrar os netos é dar abraços e beijos.

Na casa da aposentada Laura Ultramar, 93 anos, filhos, netos e bisnetos só podem manter contato visual com ela. Por morar no andar térreo de um prédio na zona sul de São Paulo, dona Laura colocou sua cama perto da janela, que tem visão para um jardim, onde a família costuma se reunir para ficar o mais pertinho possível da vovó.

No mesmo edifício, mas em outro apartamento, mora a filha de Laura, a empresária da construção civil e influenciadora de moda da terceira idade, Helena Ultramar, 67. Ela é a única que tem contato direto com a mãe, que ficou mais debilitada após uma fratura de fêmur, há três meses.

“Fica todo mundo na janela dela, o que faz com que ela se sinta bem acolhida. Inclusive já jogaram cartas, dominó, tudo da janela, com barreira entre eles”, conta Helena, que é avó de cinco netos.
Também preocupada com a pandemia, Rita Balbino Silva Piveta, 68, não sai de casa nem para ir à padaria.

O seu isolamento virou discussão na família. A neta mora numa casa no mesmo terreno na zona norte de São Paulo e a visitava todos os dias no começo da pandemia. Depois, diminuiu bastante as idas à casa quando seu avô, marido de Rita, voltou a trabalhar. Ele tem uma tapeçaria, onde convive com dois netos e mais dois funcionários.

A neta cobra dos avós os cuidados de higiene e distanciamento necessários. “É minha fiscal 24 horas por dia”, diz Rita.

Enquanto muitos têm saudades, para Carlos Fabiano Likon Thomaz, 75, a quarentena tem sido sinônimo de proximidade e carinho. Ele está há mais de 120 dias com a família num sítio em Jundiaí (SP).

“Estou preso no céu”, brinca ele, que ainda não tinha tido a oportunidade de passar tanto tempo direto com a neta de 3 anos. “Para mim foi uma graça de Deus, levanto e já brinco com ela. Ela almoça, depois eu faço ela dormir”, diz o engenheiro civil aposentado.

Se não pudesse passar esse período de isolamento social, o avô admite que, para ele, seria impossível seguir a quarentena recomendada e, possivelmente, a furaria.

A previsão é que as aulas de sua neta retornem em setembro. Até lá, ele e sua família continuam juntos. “Sigo por aqui o tempo que for preciso”, diz.

Assim como Carlos, Irene de Vasconcelos Cinquepalmi, 67, viajou com um de seus netos. O destino dela e sua família foi São Francisco Xavier, distrito de São José dos Campos (SP).

Antes da viagem, Irene havia ficado mais de três meses afastada do netos durante a quarentena. No período, seu filho quis visitá-la e fez teste para Covid-19.

Queria se certificar de que não havia risco de contaminar a mãe. O resultado foi positivo e ele resolveu se afastar da família por quase um mês. Sem sintomas, chegou a fazer dois outros exames, que deram negativo.

“A gente se falava pelo WhatsApp, mas chega num ponto que não dá mais”, diz a avó, que considera que o tempo longe foi um corte brusco, já que costumava vê-los todos os dias.

Seus filhos até tentaram encontros a distância, em que ela ficava na porta de casa e o neto de três anos no portão. Ela conta que ficava eufórica e o menino dizia “calma, vovó”. Quando ela esticava a mão, logo ouvia da criança: “cuidado, olha o coronavírus”.

O terceiro neto de Irene deverá nascer em outubro. Como lidar com a possibilidade de não conhecer o bebê? “De jeito nenhum, vou fazer quarentena lá, eles precisam de mim”.

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