Descrição de chapéu Coronavírus

Governo Bolsonaro tem estoque parado de 4 milhões de comprimidos de cloroquina

Em maio, técnicos alertaram para risco de encalhe do medicamento

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Brasília

Técnicos que fazem parte de um comitê de emergência criado para assessorar o Ministério da Saúde em decisões sobre o novo coronavírus alertaram sobre o risco de o governo ficar com estoques parados de cloroquina. No início de julho, o governo federal tinha uma reserva de 4.019.500 comprimidos do medicamento—pouco abaixo do total que já havia sido distribuído, de 4.374.000 até aquele momento.

Em uma reunião no dia 25 de maio, momento em que o ministério negociava a vinda de ao menos três toneladas de insumos para serem trazidos ao Brasil para produção do medicamento, os técnicos alertaram para o risco de estoque parado.

"Devido a atual situação não é aconselhável trazer uma quantidade muito grande, pois caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas", diz documento que registra o encontro, obtido pela Folha.

Semanas depois, dados apresentados em reunião mostraram que todos os municípios acompanhados já tinham reservas do medicamento e a pasta acumulava 4 milhões em armazenamento próprio.

O total parado em estoque, no entanto, poderia ser ainda maior, já que alguns estados não quiseram receber o medicamento.

"Com isso, ficou em estoque para devolução 1.456.616, estamos aguardando maiores definições para proceder ou não com o recolhimento", aponta o registro de encontro no início deste mês.

O mesmo documento diz que novas distribuições de cloroquina estariam previstas entre julho e agosto, mas não traz previsão de locais ou quantidades.

Nos últimos meses, a corrida pelo uso da hidroxicloroquina e da cloroquina para tratamento ou até prevenção da Covid-19 tem provocado falta do remédio nas farmácias, alta dos preços e piora da saúde de pacientes com lúpus e outras doenças inflamatórias autoimunes.

O desabastecimento é registrado desde março, quando o presidente Bolsonaro passou a defender o uso do medicamento. Infectado com a doença, ele diz ter tomado o remédio, cuja eficácia para o novo coronavírus carece de comprovação cientifica.

Nos primeiros quatro meses do ano, houve um aumento de 65% nas compras do medicamento nas farmácias em comparação ao mesmo período de 2019, segundo a farmacêutica Apsen, que produz a hidroxicloroquina no Brasil há 18 anos, com foco no tratamento de pacientes crônicos.

Nas redes sociais, há queixas de médicos e pacientes em todo o país.

O histórico das reuniões dos técnicos do Ministério da Saúde também mostra que algumas mudanças nas orientações para ampliação da oferta da cloroquina foram apenas comunicadas ao comitê por alguns membros do ministério, sem que técnicos tivessem poder de decisão sobre as medidas.

No dia 9 de junho, por exemplo, representantes da secretaria de gestão do trabalho e educação em saúde apresentaram a proposta de oferta de cloroquina também para crianças e gestantes, na contramão do recomendado por parte das entidades do setor.

"Foi pontuado que os técnicos do COE fazem sugestões, mas não tem chancela administrativa sobre o documento. Ele é apresentado apenas para ciência deste COE", informa a ata.

Dias antes, atas de reunião já orientavam que demandas sobre a cloroquina enviadas pelos municípios fossem enviadas à secretaria --a qual, na prática, não compete fazer análise de medicamentos, mas sim de organizar ações de capacitação e apoio a profissionais de saúde. A pasta é chefiada por Mayra Pinheiro, aliada a Bolsonaro.

No mesmo dia em que alertou sobre o risco de ter estoques parados da cloroquina, ainda em maio, o comitê também citou, pela primeira vez, a escassez de medicamentos sedativos e analgésicos usados para intubação de pacientes em UTIs, apontando necessidade de reunião com a Casa Civil.

Medidas, porém, foram anunciadas apenas em junho. Em reunião, também houve uma orientação para que os dados sobre a escassez não fossem divulgados.

Procurado pela Folha, o Ministério da Saúde não comentou o teor das atas. Também não informou o volume em estoque --secretários estaduais de saúde, no entanto, confirmam o mesmo total.

​Sobre cloroquina, a pasta informou que "o uso de qualquer medicamento compete à autonomia e orientação médica, em consonância com o esclarecimento e consentimento do paciente".​​

Disse ainda que a cloroquina "é usada em outros tratamentos, como a malária".

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