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Improviso e equívocos marcam a reabertura de Doria e Covas em SP

Bares e restaurantes estão autorizados a receber clientes desde segunda (6)

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São Paulo

Tenho dúvidas se o "timing" da flexibilização implementada por João Doria e Bruno Covas está correto. Muitos especialistas defendem que a reabertura de restaurantes e bares apenas deveria ser adotada quando houvesse uma clara e acentuada curva descendente de casos e mortes.

Ainda não chegamos nesse momento. Na capital, a fase é de estabilidade, uma espécie de platô, com redução dos casos graves e uma relativa tranquilidade na ocupação dos leitos de UTI (59%). A generalização do uso de máscara reduz a transmissão do vírus.

Ótimo, mas sem razões para comemorar. A pandemia ainda está forte na capital, com uma média diária de 105 óbitos na última semana e um total de 450 mil casos e 12.897 óbitos, entre os confirmados e suspeitos (Boletim Diário da Covid 19 no 100 da PMSP, 3/7/2020). Com a flexibilização, é possível ocorrer um repique ou uma 2ª onda.

No interior do estado a situação é ainda grave e crescente em algumas regiões, o que afeta a capital devido à forte integração econômica, social e física. A macrometrópole, que inclui as regiões de Campinas, Baixada Santista, São José dos Campos e Sorocaba, em um raio de 100 km em torno de São Paulo, é uma rede urbana fortemente articulada.

O comercio da capital, inclusive a gastronomia, atrai milhares de pessoas do interior que chegam através das excelentes rodovias, por onde o vírus também circula.

A elevação dos casos no interior pressiona os leitos de UTI, de modo que a disponibilidade na capital deveria ser considerada uma reserva estratégica para todo o estado.

Mas parece que chegamos a uma fase em que a economia é tão importante como a vida. A declaração do prefeito Bruno Covas (PSDB) de que os parques, apesar de mais seguros, não abriram antes dos shoppings porque eles geram menos empregos não deixa margem a dúvida.

Sem se afastar das recomendações sanitárias (a ciência também é flexível), a prefeitura e o governo do estado abandonaram uma precaução mais rígida e optaram por uma flexibilização do isolamento que talvez seja precoce.

Não vou questionar essa decisão. A situação da maioria das micro e pequenas empresas que estavam fechadas é desesperadora e, por outro lado, o isolamento nas periferias sempre foi extremamente parcial.

A crise afeta fortemente o setor de bares e restaurantes formalizados que agrega cerca de um milhão de estabelecimentos no país, excluindo a maioria dos informais. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o setor que reúne em torno de dois milhões de empresários (a maioria microempresários) e seis milhões de trabalhadores.

Para a entidade, 20% desses estabelecimentos já encerraram as atividades e outros 20% podem fechar até o final do ano. O crédito prometido pelo governo federal, que aliviaria a situação, não chegou na ponta.

A reabertura de bares e restaurantes, mais cedo ou mais tarde, teria que acontecer. O que causou espanto foi a falta de planejamento do poder público para regulamentar e preparar a reabertura de um setor extremamente sensível para a transmissão da Covd 19. Como ainda não se descobriu uma forma de comer e beber usando máscara, o risco de transmissão do vírus nesses ambientes é muito mais do que no comercio em geral.

Por isso, a reabertura deveria ter sido planejada com muita antecedência e cuidado. Sabia-se que esse momento iria chegar. E que ele não podia ser feito no improviso que se viu em São Paulo, com as regras sendo anunciadas pelo prefeito apenas no sábado (4/7), 48h antes da abertura prevista para esta 2ª feira (6/7).

Algumas normas são confusas, equivocadas e de difícil fiscalização. O número máximo de clientes nos estabelecimentos é essencial para evitar o contágio, ainda mais em um ambiente onde os clientes não usam máscaras. Deveria ter sido fixado de forma técnica. Ao contrário, a regra é pouco objetiva, estabelecendo que a ocupação deve se restringir a 40% dos clientes anteriormente admitidos. A questão é: qual é o número de referência e ele garante segurança?

Do ponto de vista cientifico, o correto seria estabelecer o número de cientes de acordo com a área do local e sistema de ventilação, de modo a garantir uma densidade física de ocupação segura do ponto de vista sanitário. A prefeitura teve mais de três meses para vitoriar os espaços, através da vigilância sanitária, para identificar as condições do local (área, ventilação, etc.) para estabelecer o número máximo de clientes e expor essa informação em local visível que qualquer cliente pudesse fiscalizar seu cumprimento.

Se é necessário retomar as atividades econômicas com segurança, não tem sentido restringir o horário dos estabelecimentos a seis horas, no período de 11h as 17h, assim como proibir o atendimento no espaço externo.

O horário de funcionamento não precisaria ser regulamentado, bastando-se garantir as normas de prevenção, especialmente a densidade de ocupação e a exigência que apenas clientes sentados sejam atendidos. Podia-se também exigir a reserva antecipada de mesas, com horários de chegada e saída, para evitar filas e aglomerações desnecessárias, o que não foi estabelecido.

A restrição para o funcionamento noturno prejudica inúmeros restaurantes e pizzarias, sendo que inexiste diferença significativa entre o funcionamento diurno ou noturno. Neste caso, bares que vendem exclusivamente bebidas e restaurantes dedicados prioritariamente a servir comida deveria ser tratados de forma diferenciada.

O argumento de que no happy hour e à noite as pessoas se aglomeram em bares e nas ruas, alertado pelo que aconteceu no Leblon, é frágil e pode ser evitado autorizando-se o atendimento exclusivamente a quem está sentado em uma mesa, restrito ao número máximo permitido.

O uso do espaço externo devia ser permitido apenas a clientes sentados em mesas, dentro da limitação prevista. Como se sabe, ao ar livre o risco de contaminação é muito menor do que em ambientes fechados. Nos EUA e Europa, a reabertura do setor de gastronomia começou exclusivamente nas mesas ao ar livre, ao contrário do que se fez em São Paulo.

A retomada do setor não é uma tarefa fácil para os empresários. Exige mobilização de recursos e as despesas adicionais com os cuidados especiais que aumentam os custos fixos, com uma queda no faturamento. Por isso, é necessário que ela seja sustentável.

O pior que pode ocorrer é um retrocesso, com um novo fechamento. Por isso, um melhor planejamento é necessário.

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