Entregue em março, novo Arouche está longe da promessa e já tem danos

Prefeitura diz que não responde pela obra, delegada à Associação Viva o Centro; esta afirma que ainda não fez vistoria definitiva e que erros serão corrigidos

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Após controvertida reforma, pouco mudou no novo largo do Arouche, que havia sido pensado para se tornar um 'bulevar francês'; na foto, vemos a alameda central da praça, com seu novo piso cinza, onde passeiam cães com seus donos

Após controvertida reforma, pouco mudou no novo largo do Arouche, que havia sido pensado para se tornar um 'bulevar francês' Zanone Fraissat/Folhapress

São Paulo

Interferência em bem tombado, fragmentação do espaço, apagamento da história da militância LGBT. Ter ou não espaço kids, horta, bandeiras de arco-íris para marcar a militância LGBT.

Todas as controvérsias que cercaram a requalificação do largo do Arouche foram enterradas pelo pavimento cinza que agora conforma os contornos da praça na região central de São Paulo.

Nada ali evoca o bulevar francês pretendido pelo então prefeito João Doria (PSDB) ao anunciar em 2017 os planos para o local, plasmados no projeto do escritório franco-brasileiro Triptyque.

A Folha procurou a prefeitura para pedir explicações sobre o resultado da requalificação. Ouviu como resposta que a obra, cujo início foi celebrado em maio de 2019 com a presença do prefeito Bruno Covas (PSDB), não era de sua responsabilidade. A assessoria do governador João Doria disse que não caberia a ele responder sobre o assunto.

A gestão municipal firmou um termo de cooperação com a Associação Viva o Centro para a execução do projeto. Entregou-lhe os recursos, arrecadados exclusivamente junto a empresas francesas.

Segundo a prefeitura, a cooperação com a entidade sem fins lucrativos foi escolhida “como forma de não gerar custos para o município”.

A gestão informou ainda que “o projeto original foi readequado pela empresa Egis” e que “a Subprefeitura Sé e a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) supervisionaram o serviço para garantir que estivessem de acordo com o projeto”.

O resultado, no entanto, em muito difere do projeto original. Segundo Milton Luiz de Melo Santos, presidente da Associação Viva o Centro, foi feito “o que era possível”.

Já no início das obras, as pretensões foram redimensionadas. O novo mercado de flores, elemento central para a requalificação, não sairia do papel. Os R$ 2,3 milhões arrecadados não bastavam; a nova estrutura sozinha custaria R$ 1,5 milhão. Nomeada de fase 3, ela ficaria para outro momento.

No entanto as fases 1 e 2 previam mais do que o que se viu concretizado.

“O projeto foi desenvolvido pela empresa Egis e prevê a pavimentação e nivelamento do passeio do largo e instalação de novo mobiliário urbano”, lia-se no site da prefeitura em 28 de maio de 2019.

A ideia, dizia a nota, era valorizar “o desenho histórico da região”, “com um espaço requalificado, contemporâneo e que remeta à história mantendo seu traçado original”.

Estavam previstos mais postes, quiosques (para sanitários, para a comunidade LGBT, para os cuidadores da praça e para policiamento) e horta comunitária. O mobiliário seria “instalado de forma a valorizar a visualização” do acervo de esculturas.

Hoje, o concreto substituiu o antigo calçamento, e parte dos meios-fios, cuja cantaria acompanhava as curvas da praça, desapareceu com o nivelamento pensado para ensejar a diminuição da velocidade dos veículos no entorno e favorecer o caminhar.

Em alguns trechos, como em torno do piso tátil instalado para acessibilidade, o concreto assume outro tom de cinza, não por desejo, mas por descuido; há pontos em que o material está partido.

Persistem os velhos paraciclos e lixeiras, bem como os pedestais quebrados de estátuas roubadas; o mobiliário novo se resume a bancos, mas não os projetados pelo Estúdio Módulo, premiados em concurso da prefeitura e previstos no projeto.

São de cimento, ondulados e sem encosto. Alguns já trazem inscrições a caneta.

Segundo Milton Luiz de Melo Santos e Sérgio Jacomini, contratado pela Viva o Centro para gerenciar a obra, o modelo escolhido evita que os bancos sejam usados para fazer sexo.

Santos conta que, pelos costumes de passantes noturnos, moradores chegaram a lhe pedir que não houvesse bancos. Jacomini acrescenta que a praça já é um dormitório e era preciso evitar que banco “virasse cama”.

“Aquela região ali é extremamente complicada”, argumenta, dizendo que grelhas do novo sistema de drenagem foram roubadas e os balizadores de vagas, destruídos —na quinta (30), já não estavam lá. A prefeitura informa que foram retirados para manutenção e serão substituídos pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

“É impossível fazer troca disso todo dia”, diz Jacomini.

Floristas também se queixam da falta de segurança. Marcos Alexandre, “terceira geração da floricultura Dora”, recorda que as bancas ficavam abertas 24 horas; com a crise econômica, passou a não compensar.

Hoje temem-se roubos na madrugada, como já houve na floricultura São Judas Tadeu, de Gilberto dos Santos Moreira, que trabalha ali há 37 anos.

Os comerciantes se mostram insatisfeitos com a obra, não só porque lhes faltou a renovação do mercado.

Moreira gostava da ideia do prédio, que seria aberto para os dois lados. “Ia trabalhar duplamente”. “Piorar não piorou”, diz Marcos Alexandre. Entre as queixas comuns está a falta de área de carga e descarga para caminhões.

Alexandre aponta ainda que não custava ter feito uma área de desembarque para o restaurante La Casserole e para os membros da Academia Paulista de Letras, “pessoas idosas”.

Diante da observação de que não foi feito o quiosque da polícia, Jacomini atribui sua ausência ao Ministério Público (MP).

Em julho de 2019, a Justiça paralisou a obra em atenção a ação do MP que argumentava que a reforma poderia causar danos ao patrimônio. O largo é tombado pelo Conpresp, conselho municipal que zela por bens históricos. Sua proteção é ainda avaliada em âmbito estadual, pelo Condephaat.

Os corpos técnicos de ambos os órgãos fizeram reparos ao projeto, que ainda assim foi aprovado. Diante da ação, porém, a juíza Paula Micheletto Cometti solicitou novo estudo ao Condephaat.

“Foi na apresentação ao projeto que o Condephaat suprimiu tudo isso, espaço kids, banheiros”, conta Jacomini.

Tanto ele quanto o presidente da Viva o Centro culpam a paralisação por consumir parte considerável dos recursos, prejudicando seu resultado.

Manter o canteiro montado, à espera, até outubro passado deve ter custado cerca de R$ 350 mil, estima Milton Santos. Ele diz que ainda prepara a prestação de contas para as cerca de 20 empresas que bancaram a obra e que não pode passar custos exatos.

Mas, descontada sua estimativa, foram empregados quase R$ 2 milhões na pavimentação, jardinagem e passagem subterrânea de cabos e fios para que um dia haja câmeras de segurança.

Para requalificar os calçadões do Triângulo, no centro histórico da capital, a mesma Egis que fez o projeto executivo do Arouche foi recentemente contratada por cerca de R$ 2,7 milhões.

Jacomini diz que os “defeitos eventuais” de acabamento “vão ser todos corrigidos pela empresa”, a empreiteira Fremix, que também realiza as obras do vale do Anhangabaú.

A aprovação da Viva o Centro, afirma, foi provisória, dada com base em fotos, pois a pandemia impedia visita ao local. “Vamos fazer a vistoria final, apontar todos os defeitos que tem e corrigir.”

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