Descrição de chapéu Coronavírus

22% dos universitários de São Paulo vivem com idosos; proporção é o dobro do ensino infantil

Estudo de economistas faz análise de risco volta às aulas presenciais; prefeitura foi mais flexível com universidades do que com escolas

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São Paulo

O número de universitários da cidade de São Paulo que vivem com pelo menos um idoso é 12 vezes maior do que o de alunos do ensino infantil na mesma condição.

Enquanto os estudantes do ensino superior que dividem o domicílio com uma ou mais pessoas de, no mínimo, 60 anos chegam a 167 mil (22% do total) na capital paulista, as crianças de 0 e 5 anos em situação parecida somam 12.800 (9,7% do total).

Um retrato parecido emerge do perfil dos profissionais que atuam na educação.

Entre os que lecionam e trabalham em faculdades, 18.800 (34,4% do total) têm mais de 60 anos ou vivem com, pelo menos, um idoso em São Paulo. Na pré-escola (destinada a crianças de 4 e 5 anos), 8.000 funcionários (24% do total) se enquadram nesse recorte.

Esses dados são parte de uma pesquisa dos economistas Vladimir Ponczek e Priscilla Tavares, ambos da EESP-FGV, que busca contribuir para uma análise do risco do retorno às aulas presenciais à saúde de alunos, professores e seus familiares, no contexto da pandemia da Covid-19.

"Há um receio legítimo de que a abertura das escolas possa elevar o número de contaminados pelo coronavírus, mas esse debate não tem sido subsidiado por uma quantidade ampla de dados", diz Ponczek.

"Quando olhamos o número de pessoas, direta ou indiretamente, em risco pelo retorno das aulas presencias, ficamos em dúvida se decisões como a tomada em São Paulo têm considerado estatísticas como as que levantamos", diz.

Na capital paulista, tanto escolas particulares quanto públicas —de creches ao ensino médio— puderam retomar apenas atividades extracurriculares desde 7 de outubro.

Já havia autorização do governo estadual para que esse passo fosse dado em municípios há pelo menos 28 dias na fase amarela do Plano SP (o que era o caso da capital paulista) desde 8 de setembro.

A gestão de João Doria (PSDB) também liberou o retorno das aulas regulares presenciais em cidades há 28 dias na fase amarela desde a semana passada, com um limite de 35% de ocupação das escolas.

Mas o governo municipal da capital tem optado por um calendário mais cauteloso. Além de ter liberado a volta de atividades extracurriculares apenas a partir deste mês, Covas ainda não anunciou uma data para a retomada das aulas regulares. Além disso, estabeleceu um limite de ocupação mais rígido de, no máximo, 20% das escolas.

Com o ensino superior, no entanto, a prefeitura foi mais flexível. Em todos os casos, o retorno é opcional, tanto para as escolas e instituições quanto para as famílias.

Um dos argumentos usados pela gestão Covas é que exames têm revelado que a fatia de estudantes da rede pública que já foram infectados pelo coronavírus é o dobro da parcela dos alunos de escolas privadas. As autoridades dizem que, embora o perigo de complicações entre crianças e adolescentes seja menor, eles convivem com adultos que podem pertencer a grupos de risco.

É uma parte desse risco que Ponczek e Tavares tentam mensurar. Os idosos formam o grupo que concentra o maior número de complicações e óbitos em decorrência do contágio pelo coronavírus.

Por isso, os economistas resolveram analisar a idade dos moradores das residências de alunos de todas as etapas do ensino no Brasil, no estado de São Paulo e na capital paulista. E fizeram o mesmo com profissionais de educação.

No caso dos alunos, os pesquisadores também fizeram recortes separados para as redes pública e privada.

O contraste maior em termos de perfil de risco dos domicílios, em relação à idade, ocorre na comparação entre o ensino superior e o infantil.

Mas a fatia de universitários que vivem com, pelo menos, um idoso é maior do que a parcela de estudantes nessa mesma situação também nos níveis fundamental e médio. Esse cenário vale para a capital paulista, o estado de São Paulo e o país como um todo.

Embora existam diferenças entre as redes pública e privada em relação aos percentuais de alunos que vivem com idosos, elas não são marcantes.

A exceção é o ensino infantil da capital paulista, onde a fatia de crianças que têm, pelo menos, um idoso em sua casa é o dobro da registrada entre os alunos das escolas públicas.

No caso de professores e demais funcionários da educação do ensino superior, o percentual dos que têm, no mínimo, 60 anos ou residem com alguém dessa faixa etária é próximo ao do nível médio.

Na capital paulista, essas fatias são de, respectivamente, 34,5% e 37%, números que excedem em 10 pontos percentuais os cerca de 24% registrados tanto na pré-escola quanto no ensino fundamental.

"Os dados confirmam que não podemos tratar todos de forma indistinta, mas também que é possível fazer um retorno cuidadoso das aulas presenciais, preservando os profissionais que são parte do grupo de risco", diz Tavares.

Os pesquisadores argumentam que uma abertura parcial, em que cerca de 35% dos alunos são recebidos por dia, permitiria que os professores que são parte dos grupos de risco ou residam com alguém que pertença a eles continuem trabalhando remotamente.

Ponczek ressalta que, em São Paulo, onde a rede estadual convive, normalmente, com taxas de absenteísmo dos docentes de cerca de 12%, a situação não seria atípica.

A experiência de instituições de ensino superior que já lidam com um nível maior de abertura de suas unidades pode ajudar no desenvolvimento dos planos de abertura das escolas. Há casos em que atividades práticas, como as de laboratórios, foram retomadas em meados do ano.

“Nós mapeamos todos os funcionários e alunos que são e/ou vivem com familiares pertencentes a grupos de risco”, diz Samir Maluf, chefe de operações das unidades próprias da Kroton. A partir desse levantamento, o grupo planejou o retorno de suas aulas práticas. Há casos de alunos que preferiram trancar a matrícula de disciplinas práticas para não exporem si próprios ou algum familiar a riscos.

Para o Instituto Península, que desenvolve projetos para a melhoria da educação no Brasil a partir dos educadores, os governos precisam investir na comunicação com os professores a fim de engajá-los no retorno às aulas presenciais.

“Eles ainda estão inseguros em relação à pandemia, mas também sobre como irão acolher os alunos na reabertura das escolas”, diz Heloisa Morel, diretora-executiva do instituto.

“Temos que cuidar da saúde mental dos professores, que estão ansiosos desde o início do confinamento, quando tiveram de se reinventar, e agora estão cansados”, afirma.

De acordo com Heloisa, deve-se aproveitar o fato de que os educadores se sentiram mais valorizados durante a pandemia. “No ensino remoto, eles perceberam uma aproximação das famílias e aumentaram seu compromisso com os alunos”, diz. “Com um trabalho robusto de comunicação, serão aliados da retomada presencial.”

Quem cuida das crianças

O levantamento de Ponczek e Tavares não identifica a distribuição de alunos e professores – e seus familiares – em grupos vulneráveis ao novo coronavírus em consequência de comorbidades, como diabetes, obesidade e hipertensão.

“Embora não tenhamos a informação dessas comorbidades para os grupos envolvidos na educação, dados gerais da população indicam que a existência dessas condições não deveria impedir um retorno presencial planejado”, diz Ponczek.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 (a mais recente disponível), levantados pelos economistas, 6% dos brasileiros com menos de 60 anos têm problemas que os tornam mais vulneráveis à Covid-19. Foram considerados nesse recorte cardiopatias, hipertensão, diabetes, doenças respiratórias, câncer e obesidade.

Entre crianças e adolescentes até 17 anos, o percentual dos que são afetados por essas condições é 0,29%.

“O que os dados indicam é que o cálculo político, com a aproximação das eleições municipais, ignora números que não corroboram a decisão de seguir postergando o retorno às aulas”, afirma Ponczek. “Além dos prejuízos à aprendizagem, há outros em decorrência do aumento de casos de violência doméstica, gravidez na adolescência, abandono e evasão escolar, principalmente entre os mais vulneráveis”.

Ponczek e Tavares destacam que, especialmente para as crianças menores, além dos danos cognitivos e sociais, a falta de aulas pode estar prejudicando a capacidade de trabalho dos pais.

Para especialistas, o levantamento dos pesquisadores da FGV traz dados importantes que têm sido pouco debatidos na discussão sobre o retorno às aulas.

Para Gabriela Bertol, diretora da Oliver Wyman no Brasil, as decisões os governantes em relação às aulas no contexto do coronavírus são particularmente complexas porque afetam, ao mesmo tempo, saúde e educação.

A Oliver Wyman acompanha a evolução da pandemia e gera estimativas para mais de 40 países, inclusive o Brasil, e apoiou o Governo do Estado de São Paulo no desenvolvimento do Plano São Paulo.

“Ter a dimensão do tamanho dos grupos de risco potencialmente afetados pelo retorno às aulas é muito importante. Deveria ajudar a pautar decisões sobre, por exemplo, que etapas do ensino podem e devem voltar primeiro, considerando riscos e prejuízos”, diz a economista.

Ela ressalta, no entanto, que é preciso mais do que a informação sobre o percentual de crianças que vivem com idosos para embasar essas decisões.

“Essa é uma estatística importante, mas seria interessante mapear também com quem as crianças ficam quando não estão na escola. Mesmo que não vivam com idosos, pode ser que dependam do cuidado deles”, diz.

Colaborou Laura Mattos

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