Descrição de chapéu Coronavírus Natal

Entre cautela e discussões, famílias nas periferias se preparam para Natal na pandemia

Enquanto alguns cancelam encontros, outros optam por manter as festividades

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Ana Beatriz Felicio Lucas Veloso
Carapicuíba (SP) e São Paulo | Agência Mural

Na sala de sua casa no bairro Vila Silviania, em Carapicuíba, na Grande São Paulo, a aposentada Therezinha Jesus Ruani Nunes, 85, sorri ao lado da filha Margarete Nunes Pereira, 60, enquanto relembra as festas nos anos anteriores com a família.

“Era ‘aquele’ Natal, né? Amigo secreto, amigo da onça, muita gente. Era difícil juntar a família, mas tinha Natal que a gente conseguia juntar todo mundo, era muito legal”, conta.

Aos 85 anos, Therezinha Jesus Ruani Nunes sente saudade do Natal com toda a família
Aos 85 anos, Therezinha Jesus Ruani Nunes sente saudade do Natal com toda a família - Arquivo Pessoal

Mas a pandemia mudou isso. Esta vai ser a primeira vez nos últimos anos que a família de Therezinha não vai passar o Natal junta. Com cerca de 20 membros, a celebração de fim de ano era uma tradição, na qual os parentes do interior de São Paulo vinham e todo mundo festejava no quintal.

“A gente tinha uma tradição que só podia comer depois da meia-noite, o pessoal ficava enchendo o saco e não deixava ninguém comer nada antes”, conta a Margarete.

Em um ano tão atípico e com a alta de casos de Covid-19 nas últimas semanas, famílias das periferias dividem opiniões sobre a melhor forma de passar a data.

Enquanto em algumas casas nada será diferente, contrariando as recomendações de distanciamento social para evitar a propagação da doença, em outras, como o caso da família da Margarete, adaptações serão feitas. Há ainda aquelas que estão tendo conflitos para definir a melhor forma de passar as festas.

Um dos dilemas é a relação com os familiares mais velhos, que fazem parte do grupo de risco da Covid-19.

“Foi um ano de muita saudade de ter contato físico, carinho, de abraço e de reuniões familiares”, conta a analista de pesquisa e desenvolvimento de alimentos Letícia Ruani Nunes Saraiva, 23, neta de Therezinha.

“Esse foi o maior período em que fiquei sem abraçar minha avó e minha tia”, ressalta. “Acredito que à medida que o tempo passa, mais as duas ficam preocupadas e com saudades, pois de fato não saíram para nada e não ter uma previsão do fim [da pandemia] faz com que fiquem mais sentimentais.”

Para não ficar tão longe da matriarca e da tia, a família optou por um meio termo: os parentes do interior não vêm e um grupo menor vai passar a noite de Natal na casa de um dos netos de Therezinha, que fica no mesmo quintal da avó.

A ideia é preparar as comidas com cuidado e descer as marmitinhas de doces e salgados para a avó e a filha. “Quando der meia noite, a gente desce no quintal para ver os fogos juntos, mas fica todo mundo de máscara”, explica Letícia.

“Não incluir o abraço e o carinho que sempre tivemos nessa data comemorativa deixará uma sensação de que falta algo. Porém sabemos que é para o bem delas.”

Letícia afirma que o cuidado, contudo, não será seguido por todas as famílias do bairro. Pelo menos é o sentimento dela avaliando as últimas semanas. Conta que as pessoas não estão seguindo o isolamento social e nem as medidas necessárias para o momento, como uso de máscaras e de álcool em gel.

“Inclusive ao andar com máscara, os olhares são de reprovação ou deboche. Outro ponto é que as festas e reuniões que nunca deixaram de acontecer ou tiveram cuidado quando realizadas”, avalia.

A situação preocupa, já que os casos voltaram a subir. Na Grande São Paulo, houve piora —a ocupação de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) passou dos 60% desde o começo da semana.

Até a véspera de Natal, Carapicuíba tinha 433 mortes decorrentes do novo coronavírus e 11.658 casos confirmados. Já na cidade de Osasco eram 18.575 casos confirmados, segundo o governo do estado, e 952 óbitos.

A cidade de São Paulo São Paulo atingiu a marca de mil internações por Covid-19 no dia 5. . Até o dia 24 de dezembro, foram 387.524 casos e 15.384 óbitos.

Na periferia da capital, a situação das festas tem gerado brigas na família Santos, em Sapopemba, na zona leste. A auxiliar de escritório Vanessa Andrade, 26, diz que o grupo da família no WhatsApp discute a situação do Natal há duas semanas.

Uma das principais disputas acontece entre irmãs, já que a mãe de Vanessa é favorável à festa, mas a tia é contra reunir familiares no meio da pandemia sob a justificativa de que não haverá os cuidados contra a transmissão, como o uso de máscara e álcool em gel.

“Criaram o grupo para sortear o amigo secreto, mas minha mãe disse que não era hora para comemorar e saiu. Aí começou a treta de quem ficou indignado”, lembra Vanessa.

Com uma família de cerca de 35 pessoas, todos os anos a tradição é a reunião na casa de algum parente para comer, beber e celebrar o ano, mas a pandemia impactou o encontro deste ano.

“Os médicos falam de aglomeração, mas minha família é uma também. Não sei como vai ser, mas possivelmente vai ter metade junto e a outra metade separada.”

O aposentado Paulo Magnos Souza Melo com os netos antes da pandemia
Família de Therezinha costumava se reunir com os parentes do interior - Arquivo Pessoal

Para o aposentado Paulo Magnos Souza Melo, 67, esse será o primeiro momento de reencontro com os netos e filhas após cerca de nove meses. Morador da cidade de Ourinhos, no interior de São Paulo, ele vive com a esposa Maria Lúcia Melo, 69, e a mãe de 89 anos.

As duas filhas de Paulo moram no bairro Jardim Veloso, em Osasco, e na Cohab em Carapicuíba, distantes cerca de 350 km de Ourinhos.

“O difícil é você ficar longe da família, né? Você quer conversar e não consegue. Apesar da facilidade de hoje com a internet, você conversa e vê [as pessoas], não é a mesma coisa. É difícil você conversar sem se tocar, sem um abraço, sem um beijo, um carinho, é gosto, né?”, conta.

Em todas as datas comemorativas a família costumava se deslocar para comemorarem juntos.

“A pandemia só dificultou a gente ficar mais próximo. As nossas festas de final de ano e todas as festas que a gente faz, como aniversários, ou nós vamos pra Ourinhos ou meus avós vêm pra cá, e este ano isso não aconteceu”, diz a neta Ingrid Mello Rodrigues, 22, psicóloga.

Apesar de decidirem passar o Natal juntos, a família se preocupa. “Vai ser um Natal meio chato, a gente vai lembrar o nascimento de Cristo e pedir a Ele que nos guarde, que nos proteja, mas não vai ser a mesma coisa”, opina Paulo.

Os cuidados começarão a ser tomados já durante a viagem de carro até a Grande São Paulo. Paulo conta que vai evitar paradas no caminho e ficará o menor tempo possível, além de não ter contato com pessoas de fora da família.

“Até tenho vários amigos que me ligaram perguntando se eu iria para São Paulo. Falei que era impossível fazer essas visitas pro pessoal, é tudo turma de risco, são todos da minha idade então é complicado. A gente tem que ter seriedade”, ressalta Paulo.

Para Ingrid, que tem trabalhado em home office, apesar da saudade apertada, também há preocupação com os avós.

“Por mais que eles venham, eu pelo menos tenho muito respeito. vou ficar com muito receio de beijar, de abraçar e até de estar no mesmo ambiente de uma certa forma. Não sei como vai ser, essa é a verdade. Vai ser tudo novo.”

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